sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Família, Sociedade e Desagregação

Por sugestão, vou escrever sobre a desagregação da família. Um assunto complexo que, se aprofundado, teríamos que começar com o significado de família desagregada e quais os motivos que causam a desagregação. Isto exigiria uma pesquisa profunda, e teríamos que escrever um livro e não um texto de uma lauda. Por isso vou apenas expressar minha opinião. Mas o que é família, hoje?
Sabemos que o conceito de família mudou significativamente e não se considera mais apenas o núcleo que tinha o pai, a mãe e os filhos. É um conceito que varia muito e que, em algumas culturas, por exemplo, quem compartilha a mesma geladeira, no mesmo ambiente, forma uma família. Mas, quais são os efeitos nos filhos e na família, provocados por essas mudanças? A participação do pai, provedor, já não tem o peso que tinha antes, pois grande parte das mulheres está no mercado de trabalho, é separada do marido, ganha dinheiro e pode prover a casa, garantindo alimento e outras necessidades, embora muitas delas contem com a pensão dos ex-maridos para ajudar nas despesas. Nestes casos, portanto, o pai, embora tenha saído de casa, continua sendo provedor, além de reprodutor. A ausência do pai pode causar prejuízos afetivos para ele e para os filhos, pode ter como desdobramento, por exemplo, uma educação mais frouxa e consequentemente um desequilíbrio na assimilação dos valores positivos, antecipando experiências. Se a mãe consegue sozinha manter esse equilíbrio, e muitas conseguem, impondo limites, definindo regras e monitorando, na medida do possível, as novas experiências, os filhos terão uma educação disciplinada. Claro que esta é uma visão generalizada e temos que ter o cuidado de considerar que a formação de uma personalidade não depende só do meio, o potencial genético é válido no produto final. As conseqüências variam caso a caso, com relativa prevalência de prejuízo às famílias, nos casos de pais e mães ausentes, pois a mãe também está ausente, visto que muitas trabalham fora. Como realizar o papel da fonte afetiva, dar a atenção devida e monitorar as experiências? Esta e outras variantes devem ser consideradas, para esta avaliação: A cultura, os costumes, a economia, os valores religiosos e outros fatores que dependem da região em que tivéssemos concentrado a nossa análise.
Quero dizer, no entanto, que, a despeito das mudanças radicais que ocorreram, principalmente nas sociedades ocidentais, o ser humano continua psicologicamente sendo a síntese de dois elementos básicos: o feminino e o masculino (anima e animus, segundo Jung), independendo do sexo que tenha, e, mesmo depois que fica adulto, mantém os dois elementos atuantes em sua matriz psicológica. Logicamente que, na maioria dos casos, o masculino prevalece nos homens e o feminino prevalece nas mulheres.
É fácil concluir que: se em seu desenvolvimento, até a chegada da fase adulta, o ser humano conta com uma relação sistemática com referenciais masculinos e femininos, e sejam estes o pai e a mãe, é provável que a possibilidade de manter certo equilíbrio em sua afetividade, com maior abertura para uma evolução em sua maturidade emocional e uma harmonia em suas relações sociais, seja maior. Claro que nem sempre é harmonioso e, pelo contrário, as brigas frequentes entre os pais prejudicam razoavelmente os filhos, sendo melhor, em alguns casos, que a estrutura do núcleo seja quebrada para que a harmonia seja recuperada. Mas o ser humano é perfeitamente capaz de se adaptar a novas situações. Por isso creio que, em curto prazo, os filhos já não sofrerão tanto com a ausência do pai no acompanhamento do seu crescimento e, mais tarde, até mesmo da mãe. Experiências de “casais” homossexuais, adotando filhos, já estão acontecendo e em breve teremos a demonstração de que o importante é o amor, o carinho e a atenção adequada, independendo de quem seja os que têm o papel de educar. Para uma boa formação dos filhos, os sentimentos que fluem no ambiente em que vivem são mais importantes do que as pessoas. Pais e mães, nas versões tradicionais, podem ser também prejudiciais aos filhos.
As figuras do Pai e da Mãe são fortes elementos arquetípicos e estão na estrutura psicológica dos filhos. Eles são as primeiras fontes externas dos estímulos necessários, para a concepção de si mesmo e para reconhecimento do outro. Se agredirem, se incomodarem, forem desagradáveis e ferirem, certamente terão uma influência na personalidade muito diferente se, ao contrário, eles forem carinhosos, afetivos, demonstrarem amor e transmitirem segurança. Nos “casais” homossexuais, esperamos uma adaptação e passarão a ter primazia os aspectos feminino e masculino, como fontes dos referidos estímulos. Não causando nenhum prejuízo à criança, pelo contrário, ampliando o sentido de ser humano e levando-o a reconhecer os elementos básicos de sua psique, que não são necessariamente o Pai e a Mãe e sim o masculino e o feminino. Mesmo que, nos casos dos homossexuais, eles apareçam evidenciados nas matrizes sexuais opostas. Afinal o masculino e o feminino são atributos do espírito humano, embora sejam utilizados para caracterizar diferenças corporais. Eles transcendem a referência sexual. Restará à sociedade entender e não hostilizar os filhos dos homossexuais.
Não podemos, para finalizar, atribuir apenas aos pais, a culpa pela desagregação familiar, quando temos os péssimos exemplos dos responsáveis pelas leis, pela ética pública, pela moral religiosa, pela educação e pelo entretenimento. A família é um reflexo da sociedade. A decadência é da sociedade patriarcal. Isto é a evolução natural das civilizações, que tendem a chegar ao ápice e depois decair, até a sua dissolução total. A desagregação familiar é apenas um sinal do começo dessa decadência. É o início da transição para uma nova civilização, feminina, não matriarcal, não hegemônica e sim partilhada, porém com a marca da delicadeza do espírito feminino. Esperamos que as mulheres, com a ajuda dos homens, consigam erguer essa civilização mais sólida e os novos conceitos de família sejam definitivamente incorporados à sociedade, sem preconceito e afirmando valores legítimos, que atuem positivamente no equilíbrio psicológico das novas gerações.

Paulo Viana

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Identidade

Tenho na alma, pedaços da Arábia trazidos pelos navegantes portugueses, semeados nas negras e nas índias que aqui se encontravam. Por isso, quando escuto a música árabe há uma ressonância em minha emoção e sentimentos me trazem o Alcorão e Maomé parece-me mais próximo do que Roma. Tenho, também, fragmentos de Lisboa, pois um Fado que ouço é uma canção que acalanta o berço de lembranças não lembradas, mas que se fazem presentes em lampejos de sutil nostalgia.
Tenho em minha alma o espírito guerreiro do índio Guarani, que respeita a floresta, que se deixa levar pela correnteza do rio, quando o caminho é na mesma direção que ela, mas que a enfrenta em nado se for preciso ir contra a corrente. Por isso, vejo o Gavião Real como um parceiro do mundo, que adorna o índio, mas que se mostra como um recado para os exterminadores. Por isso, entro na mata como quem entra na morada de espíritos. Por isso, sinto, como o índio, grande tristeza pela maldição dos iconoclastas de Tupã, pelos corruptores dos Pajés, pela disseminação dos vícios e das doenças dos “brancos”.
Minha alma é também feita do banzo das senzalas, da saudade da Mãe África, trazida nos porões dos navios pelos mercenários cruéis, a mando dos Reis e com a benção dos Papas. Por isso, quando batem os tambores do Candomblé há um despertar, em meu espírito, de uma remota afeição, de um querer venerar. Por isso, a batida do samba encontra em meu corpo os contornos adequados para uma vibração ritmada e cada compasso é tocado como se fosse reflexo de minha alegria. Por isso me vejo na melancolia do Blues, que lamenta em seu ritmo lento a odisséia de príncipes, princesas e guerreiros africanos, aprisionados sem nenhuma culpa; cântico que parece apelar aos deuses uma volta no tempo, uma recontagem da história, onde o povo africano não fosse aviltado; onde os navios singrassem os mares sem a angustia da liberdade usurpada e a riqueza do mundo fosse alicerçada com trabalho justo.
Tenho na alma a ambição dos degredados, por isso me custa mais fazer o exercício da honestidade, porque em meu mundo há o desprezo pela ética. Mesmo assim, busco ser honesto e não me submeto ao jeitinho e nem à propina. Tenho, também, na alma, o sentimento de povo e luto para conservar meus valores, minha cultura e abomino a invasão colonialista da globalização, embora reconheça a força com que ela massacra nosso apego ao que nos faz uma Nação. Tenho ainda, na alma, o grande desejo de lutar sempre pela liberdade e pela justiça, quando estas forem ameaçadas, como ainda são, por isso ainda luto, com minha arma, que é a palavra.
Tenho orgulho de em minha alma conter a grandeza da Arábia, da África e da América, em pedaços trazidos pela Europa. Tenho orgulho de ser brasileiro, porque sou alma cosmopolita, sou cidadão cuja Pátria tem o suor do calor do deserto árabe; tem a graça da capoeira, um belo legado da agilidade e da inteligência dos negros; tem o pueril mundo indígena e a sua parceria com a floresta, onde nos ensina que não podemos viver sem os outros entes da Natureza.
Assim busco minha identidade: Reconhecendo que minha história começa com a ambição colonialista dos europeus, que aprenderam a arte da guerra e da navegação com os árabes, escravizaram os africanos e corromperam os ameríndios. Com todo respeito aos europeus contemporâneos, sinto-me feliz por ter herdado mais as qualidades de todos esses povos do que os defeitos que traziam em nome dos nobres e religiosos.
Paulo Viana

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A Mulher e o Homem

Escritores, filósofos, psicólogos, poetas, pessoas comuns e outros seres falantes tentaram descrever, de forma acabada, com adjetivos definitivos, o Homem e a Mulher. Das tentativas que eu conheço, a mais bonita é a de Victor Hugo. Ele consegue evidenciar as diferenças sem degradar nenhum, pelo contrário, eleva-os a uma categoria divina, que nos fazem presumir serem obras de um ser muito superior.
Com todo respeito a Victor Hugo e a todos os outros, quero falar sobre homens e mulheres sem idealizá-los, concentrando-me na vida real, no calor da convivência diária, com dores, alegrias, decepções, frustrações e conquistas.
É bom lembrarmos que os homens e as mulheres mudaram muito, ao longo da história, com estas ocupando espaços, hoje, que em outros tempos eram muito “inadequados”. Limitações defendidas pelas religiões, que, de certa forma, masculinizaram Deus e “feminilizaram” o diabo.
Todos os processos culturais, embora diferenciados, mantiveram em comum a realização instintiva da reprodução da espécie, numa estrutura em que se preservava a união básica entre os dois, homem e mulher, para a garantia do desenvolvimento da cria, cuja dependência exigia uma proteção fortalecida pela organização de um núcleo, com tarefas bem definidas. Em princípio, o homem, por ser fisicamente mais adequado às tarefas perigosas, saía para caçar e guerrear. A mulher permanecia em “casa”, fazendo os, não menos pesados, trabalhos domésticos e cuidando dos filhos. Uma vida simples, saudável e com as dificuldades próprias da situação. Os anseios resumiam-se na garantia do alimento e da sobrevivência do núcleo familiar. O homem era o provedor, o que tinha o poder e a força. Achava-se ele, portanto, mais habilitado a ser o interlocutor dos Deuses, chegando a oferecer as mulheres, em sacrifício, para acalmá-los. Talvez, como os animais totêmicos, a mulher tenha sido uma das primeiras versões de moeda. O homem já demonstrava o seu egoísmo, num ato em que dizia aos deuses: se queres um de nós que pegues a mulher.
Louve-se a mulher, que, a despeito da história, dos livros sagrados; das religiões; dos homens; da desvalorização do seu árduo trabalho doméstico e de sua capacidade gestacional, conseguiu se reclassificar na avaliação da importância dos membros do casal, saindo da condição de coadjuvante para tão importante parceira, não só na realização das tarefas para proteção do núcleo, mas, fundamentalmente, na construção de uma civilização menos arrogante, mais sensível, mais preservadora e mais honesta. E se algumas cometem certos erros é porque se deixaram contaminar pelas práticas dos homens, no que de pior eles têm.
As mulheres estabeleceram uma meta e não é a igualdade com os homens. Isto não só é impossível, dada as características diferentes, mas desnecessário, porque elas querem ser mulheres, com direito a viverem todo o seu potencial, e não ser como os homens. Elas não querem ser apenas objeto da poesia, da filosofia ou da psicologia; elas querem viver a poesia, filosofar e realizar-se em toda a sua psique.
Os homens, antes patriarcas do núcleo, as figuras que determinavam os caminhos, olham, hoje, com perplexidade, as mulheres passarem em suas caminhadas rumo a elas mesmas, e nem percebem que elas os convidam. E se não cuidarem elas vão mesmo sozinhas. Eles, por sua vez, não sabem mais andar, estão parados, porque, na realidade, nunca souberam, sempre tiveram o apoio das mulheres. Estas sim, descobriram que podem ir longe, sem eles. Melhor com eles, se quiserem.. Não com os homens fragilizados pela perda da hegemonia, mas com os homens que reconhecem as mulheres como guia e que possam segui-las , pois elas carregam consigo um mapa de um caminho menos tortuoso. Um caminho que os levará para uma vida mais promissora, onde o amor é a palavra chave, onde o feminino e o masculino não sejam apenas referências para diferenciar o sexo e sim elementos base de um ser humano único, mais completo, fundidos com um só interesse: a elevação da vida como a verdadeira obra-prima da Natureza. Enquanto isso é assim que vejo o homem e a mulher. A mulher idealizando-se a cada conquista e o homem desconstruindo-se enquanto ideal. Neste momento, em que eles se cruzam em jornadas cujo caminhos têm sentidos opostos, é a oportunidade de se unirem, desta vez sob o comando das forças femininas, para reescreverem a história da humanidade.

Paulo Viana

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O Tempo e a Vida

Gosto de escrever sobre assuntos não comuns, que tratam do ser humano, dos seus descaminhos e equívocos. Hoje começo dizendo que as crianças vivem como se fossem eternas. Não se preocupam com o futuro, com a velhice e nem com a morte. O momento mais importante é aquele em que está vivendo e, quando têm que esperar, a ansiedade é vivida intensamente e o momento é antecipado, com a imaginação. As que são felizes pensam que serão felizes para sempre e as que sofrem acreditam que sempre sofrerão, embora tenham pequenos lampejos de esperança que se desfazem logo, com a dura realidade. Um momento de tristeza para a criança feliz causa-lhe revolta, enquanto uma alegria para a criança triste causa perplexidade. A infância demora mais na vida de uma criança feliz. Na outra, quanto mais rápido for adulto mais possibilidade de diminuir o sofrimento. Certo é, no entanto, que ambas, continuando vivas, ficarão adultas.
Quando adultos, o tempo parece passar mais rápido; os dias e os anos correm e a verdade da finitude nos causa um grande desencanto. Tão grande é o desencanto que nos apegamos a quimeras religiosas que anunciam a vida eterna, a reencarnação e outras promessas irrealizáveis. Aqueles que não embarcam nessas promessas se apegam à vida material, embelezam-se com o consumismo, com o acúmulo de poder e riqueza, mesmo que tenham que declinar da ética e da busca de um sentido mais consistente para a vida. A palavra de ordem é gastar a vida a qualquer custo.
Pobre criatura, alienada; brilho infinitesimal, cujo tempo de vida não chega a um piscar dos olhos da eternidade; cuja morada, que degrada sem dó, com sua ignorância exacerbada, é apenas um ponto insignificante, diante da incalculável quantidade de estrelas e astros. Pobre criatura, que num devaneio patético concebeu um ser, que chamou de Deus, e a este atribuiu a construção do universo, responsabilizando-o pelos seus próprios desígnios, pelos seus problemas de consciência, pela sua atabalhoada saga. É a ti, pobre ser humano, que quero dizer: não precisa dar cabo da tua raça e nem da tua casa. Não precisa viver teu curto tempo da vida como se apenas tu importasse. Não precisa antecipar o fim.
A Natureza, essa mesma que cuidas em alterar a teu bel-prazer, te surpreenderá um dia, com tão contundente golpe que não sobrará nem mesmo as sementes que te fizeram brotar, e, como os Dinossauros, sairás de cena definitivamente. Então, por que antecipar a morte do Planeta? Deixa que a Natureza siga seu curso. Quem sabe, nossa civilização, com mais juízo, não possa salvar-se em outra casa; num planeta que venha a descobrir e com uma tecnologia, que venha a desenvolver, se tiver tempo?
Não é porque a nossa vida é passageira que devemos desprezar as próximas gerações. Não é por Deus e nem pela Natureza, que devemos salvar a humanidade. É porque o ser humano é um projeto tão bonito, tão promissor que é lamentável não ter tempo para se redimir, para se retratar, diante de si mesmo.
Portanto, desejamos que quando um asteróide, um grande meteoro ou qualquer outro astro venha a se chocar com a Terra, estejam os humanos ocupando, de forma inteligente, outro planeta, que certamente se chamará Nova Terra. Onde as crianças, cientes de que um dia morrerão, saberão valorizar a vida, e os adultos, conscientes de sua existência, saberão valorizar a morte. E todos os seres vivos possam esgotar todo o seu potencial que lhes tenha sido destinado a viver, sem serem ameaçados pelos próprios humanos, como somos hoje. E que a vida dure até que um novo meteoro se choque com o Planeta. Afinal, a Natureza tem seu próprio movimento e não nos diferencia do restante dos seus entes. Para ela, somos apenas uma pequeníssima parte. Embora alguns tenham feito muitos acreditarem que éramos especiais e protegidos, porque fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Na realidade, nós criamos Deus à nossa imagem e semelhança. Quem nos criou foi a Natureza e ela é que é senhora do nosso destino.
Paulo Viana

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Democracia, Capitalismo e Crise

Não gosto de escrever sobre determinados assuntos porque eles têm o vício da informação comprometida, do interesse das fontes de onde colhemos dados para elaboração da nossa abordagem e do relativismo que devemos observar no acontecimento.
Peguemos, por exemplo, a política. Inicialmente temos que lembrar que a política tem suas próprias regras e seu objeto único e bem definido é o poder. As leis, por sua vez, se submetem às intenções dos políticos, pois se estiverem atrapalhando os interesses destes são modificadas. Assim, até as leis não são respeitadas pelas regras da política.
É claro que a política cria mecanismos que fazem parecer que suas regras atendem aos apelos da justiça. Neste sentido, conceitos como “Democracia” são sistematicamente mencionados e, em seu conteúdo, os interesses do capital são preservados, as sobras dos lucros absurdos distribuídas e um convincente aparelho conceitual reafirmado através de expressões como desenvolvimento, crescimento econômico, geração de empregos e intervenção positiva do Estado.
Hoje, de forma engajada e atuante, existe um terceiro setor, que, quando não envolvido no emaranhado jogo da corrupção, consegue influenciar um pouco e mudanças ocorrem nas relações entre indivíduo e Estado, ou mesmo entre minorias e políticas públicas.
Não podemos, no entanto, é desvincular política de economia. Por isso, me parece ridículo, e até patético, um País, que se proclama berço da democracia, casa da livre iniciativa, exemplo de “sucesso” do capitalismo, se deixar apanhar por um erro gerado pela simples falta de confiança, pois as regras não contavam com o descuido, a megalomania e o amor ao consumismo de alguns “homens de bem” e “instituições sérias.” Não bastasse essa fragilidade localizada, tais irresponsabilidades deixaram claramente transparecer o quanto a globalização é prejudicial aos mais fracos e desprovidos de reservas. Ou seja, por causa de um americano que tem vontade de ter uma casa maior do que seu dinheiro poderia pagar, um brasileiro pobre, sem emprego e sem onde morar, perde a oportunidade de ter sua casa construída através de um justo programa habitacional, de uma política pública que, ao invés de facilitar o investimento no sistema financeiro, atua para que a vida das pessoas melhore e o mundo se torne menos injusto. Destaque-se, portanto, que a tal crise é na realidade uma crise da civilização humana; agravada pelo desvirtuamento de suas prioridades e pela supremacia do egoísmo, em detrimento das relações fundamentadas no pacto da justiça, do bem-estar de todos e da solidariedade. Bem, não custa sonhar com um ser humano assim.
Sei bem que os fatos não são simples como fiz parecer que eram. Estes assuntos de economia são muito mais complexos e, não sendo economista, não me arvorarei em querer aprofundá-los. Quero apenas mostrar que a ideologia do capitalismo é um engodo e a democracia é a máscara pacífica, funcional e eficaz, para que as grandes massas se conformem e atravessem a vida esperando que Deus dê um jeito. Por outro lado, não estou pregando a revolução armada, não quero que pessoas morram. É porque olho para o nosso Planeta como se estivesse sentado na lua e “daqui” é de impressionar a combinação da ingenuidade da grande maioria com a esperteza de uns poucos. Também, não é por menos, esses poucos contam com a obediência de homens bem armados, que são capazes de matar para defendê-los e seus bens. Sem contar com o poderoso freio moral imposto a mais de dois mil anos pela mitologia do herói, salvador, que humildemente deu sua vida para “salvar” a humanidade.
O mais curioso é saber que o “grande” homo sapiens, inteligente, racional, perspicaz e dominador da natureza, não tenha conseguido descobrir um jeito de viver organizado sem necessitar de uma escala hierárquica e uma estrutura de poder, onde uns são menos importantes do que outros e, por isso, têm qualidade de vida inferior. Será que não existe alternativa? Não quero pensar, novamente, que a humanidade não tem solução e que o mundo seria sem graça se houvesse igualdade material e de oportunidade.
Paulo Viana

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

O Cinturão Fotônico

Algumas interpretações das profecias anunciam para 2012 o fenômeno da entrada do sol no cinturão fotônico. Trata-se da passagem do sol pelo centro da galáxia . As conseqüências previstas são assustadoras, pois inúmeras tragédias poderão acontecer. Por outro lado, fala-se em desdobramentos positivos no comportamento dos humanos, que sobrarem, naturalmente. Esse tipo de notícia não aparece na mídia, certamente para não causar pânico, afinal pode ser o fim da nossa raça.
Digamos que seja verdade. Temos, portanto, apenas quatro anos para realizar todos os nossos desejos. Eu já enumerei três: Quero...este não vou poder realizar, não tenho dinheiro suficiente; Então vou...este não depende só de mim, necessito do consentimento de outras pessoas; Resta-me o terceiro que é...nem este vou poder realizar.
Meus três principais desejos não vou poder realizar, mas alguns, não menos importantes, estarão diariamente na minha concentração para que se afirmem positivamente. Dentre eles posso citar: O bem-estar dos meus familiares e amigos; A paz no mundo; O respeito à Natureza e uma trégua desta em sua reação aos ataques que já lhe fizeram; O equilíbrio material entre as pessoas e saúde para todos.
Alguém poderá perguntar: para que tudo isso se o mundo vai acabar? Primeiro, não acredito que o mundo vá acabar, nem em 2012 e nem daqui a mil anos. Depois, desejarmos coisas boas só fará o mundo ficar melhor, cada vez mais, principalmente se fizermos a nossa parte.
Mas... que desejos seriam tão mais importantes do que os citados? Não precisamos saber. Precisamos não perder a esperança de que o ser humano poderá ser melhor; que a paz é possível; que um dia não haverá pobreza e fome; que a natureza será respeitada; que a vida ainda nos revelará segredos que nos tornarão mais confiantes, aliviarão o sofrimento e nos farão acreditar que o nosso Planeta é apenas um estágio para uma vida mais elevada, seja lá onde for e de que forma seja.
Temo, no entanto, que a ignorância, a arrogância e a insensibilidade vençam e que não tenhamos tempo para que isto seja vivenciado, pois o mundo poderá continuar existindo sem que haja seres humanos vivos. E assim, tendo permanecido os equipamentos eletrônicos em condições de uso quem escutará música? Quem assistirá filmes? Quem apreciará as flores, se restarem algumas? O que será do mundo sem nós, humanos, para ver a beleza? Em que corações o amor se instalará? Deus será um artista sem platéia.

Paulo Viana

sábado, 29 de novembro de 2008

Utopias


Duas grandes decepções marcaram a minha vida: a farsa das Religiões e sua manipulação do potencial espiritual das pessoas, num pacto com o Estado, em que este conservaria o poder com a aquiescência do comportamento baseado na moral do bem, baixada através dos mandamentos, e a impraticabilidade da filosofia marxista, por ter como agente da sua práxis o ser humano, animal egoísta e sujeito a intempéries emocionais, ávido de auto-afirmação, desvirtuado em sua formação por uma educação onde a grande virtude é o acúmulo de bens materiais. Quero deixar bem claro a diferença entre Religião e Espiritualidade. Religião, segundo o dicionário, é o conjunto de crenças, de dogmas que definem as relações do homem com o sagrado. Espiritualidade é a qualidade do que é Espiritual, ou seja, o incorpóreo, o imaterial.
Não seria absurdo assinalar que um imenso vazio se instalou em meu espírito, com a decadência das ideologias para as quais fomos treinados por toda a vida. Mas, não sou o único. Muitos adultos vivem este mesmo dilema e buscam, incessantemente, um modo de se estabilizar. Modos que passam pelo consumo desvairado e pelo apego ao passado, quando não mergulham no mundo virtual ou abraçam valores não ocidentais.
O que me preocupa mesmo é o “amadurecimento” dos jovens num contexto amoral , numa perspectiva de ociosidade, em face do desenvolvimento dos meios de produção, que aumenta o desemprego e onde o mercado de trabalho é saturado pela grande oferta de profissionais liberais, embora saibamos que há um déficit na capacitação técnica, principalmente em países como o nosso.
Mesmo assim, há um horizonte delineado em que se configura o fim do sonho impossível, o desmoronamento daquele castelo que nos estimulava a lutar: a utopia. Sem contar com o anti-romantismo e o crepúsculo do heroísmo.
Os jovens, enquanto estão entretidos pela maravilhosa oferta de bugigangas tecnológicas, que ficam cada vez mais acessíveis até a quem tem baixo poder aquisitivo, e apegados a seus ídolos musicais, desportistas ou do cinema e da televisão, não sofrerão com a falta de sentido. Quando adultos, pisarão num chão de fina película, carregarão um peito vazio que, certamente, continuarão preenchendo com valores de sua juventude. Mas chegará o momento que, ao vislumbrar o caminho que ainda terão que percorrer, enxergarão uma estrada deserta. Claro que aqueles ainda abraçados às utopias, ingênuos depositários da esperteza dos maliciosos homens do poder, viverão felizes em sua ignorância, certos de que terão os manjares e as virgens que lhes aguardam no céu.
O que fazer? Insisto em dizer que a única utopia que vale a pena é a busca do auto-conhecimento e a prática dos nossos próprios valores éticos. No primeiro caso, somos nós o objeto a quem nos apegaremos; no segundo caso, mesmo sem a aprovação dos que só pensam em si, nos apegaremos à luta pela honestidade, pela defesa da natureza e pelo bem-estar do outro. Afinal, a utopia é uma prerrogativa do sonho humano; é o que dá sentido a essa impressionante experiência que é a vida. Por isso, quando morre uma, outra já se apresenta, para que não morramos com os nossos sonhos.

Paulo Viana

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

A Humanidade e Novos Universos

Novas teorias afirmam que o mundo sub-atômico não é pontual e sim em forma de cordas.Quem diria que a imensidão do universo fosse feita de pequeníssimas cordas que, vibrando em várias freqüências, produzem tudo? Esse mesmo universo, no momento em expansão, por causa do Big Bang, poderá parar de se expandir e o processo se inverter, o que provocará o Big Crunch, quando todas as galáxias se juntarão e o mundo voltará a ter o tamanho de uma bola de basquete. Explodindo em seguida e voltando a se expandir.
Esse processo contínuo de sístole e diástole sempre existiu? Será que o destino do universo é se contrair e se expandir sempre? Nós jamais saberemos a resposta, mas teimamos em especular e canalizamos pesquisas e tempo para buscar uma teoria que expresse a verdade sobre isso.
Digamos que seja verdade. Então o mundo se acabará e vai recomeçar. Como será essa nova versão? Será que as transformações que deverão ocorrer levarão ao surgimento da vida, novamente? E se surgir, o ser humano aparecerá? E como será esse novo ser humano? Pena que ele não lembrará da passagem atual pelo mundo. Se lembrasse poderia evitar uma série de coisas absurdas que tem feito. Saberia que na natureza existem bactérias, vírus e outros causadores de doenças, mas que existem plantas e minerais que as curam; Saberia que a ganância e a ocupação do Planeta de forma irracional destroem as condições de vida, causam guerras e provocam a miséria e o sofrimento; Saberia que a boa relação com a espiritualidade e o misticismo se transformaria em mercadoria; Saberia que os alimentos artificiais são os principais causadores de doenças; Saberia que os esportes e as artes são atividades humanas puras, que deveriam ser incentivadas para todas as pessoas; Saberia que os pássaros não devem ser assassinados nem aprisionados; Saberia que a Política tem seu estímulo próprio que é a vontade de poder; Saberia que as leis reproduzem interesses e não são princípios absolutos. E muitas outras coisas.
Como seria esse ser humano não ganancioso, artista, esportista, espiritualizado de forma direta, sem os intermediários, com uma alimentação saudável, deixando a natureza livre de sua intervenção criminosa e procurando as respostas dos seus problemas na própria natureza, com cautela e respeito?
É inevitável admitir que não poderia existir a arte, a ciência, as injustiças, as contradições se não existisse a vontade de poder, a ganância, o desejo e outros atributos humanos, portanto o ser humano que existe hoje é o único possível. Talvez ele pudesse ser melhorado um pouquinho, mas mesmo assim não evitaria as guerras e a busca do prazer imediato. Talvez seja verdade que a humanidade não tem solução.
Se a vida no Planeta surgiu ao acaso, foi trazida de galáxias longínquas ou foi criada por forças superiores nós jamais teremos certeza, mas que a experiência foi muita rica em erros, isso foi. Mas uma verdade temos que aceitar: qualquer ser humano, em qualquer versão do universo, tem que ter a capacidade de amar, sem paixão, sem posse, sem projeção psicológica e sem querer algo em troca

Sestor Azimbara

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Preconceito Branco

A eleição de Obama para a Casa Branca certamente será a notícia do ano. Uma notícia que povoou os órgãos de imprensa recheada de hipocrisia e preconceito. O pior preconceito de todos é justamente aquele em que se destaca a cor da pele para ampliar a importância do acontecimento. Por que dar tanto destaque à eleição do presidente dos Estados Unidos? Ele não é um homem como outro qualquer?
A verdade é que a hipócrita formação cristã, implícita na ideologia da grande imprensa, aponta a eleição de Obama como um sinal de que a humanidade está melhor e que está se redimindo dos pecados absurdos cometidos ao longo da história. Creio, no entanto, que considerar a eleição um fato especial só faz reafirmar o preconceito e tira o mérito do homem inteligente, carismático e competente.
Infelizmente ainda demorará muito tempo para que os preconceitos desapareçam das relações entre as pessoas. É uma faceta que caracteriza o ser humano. O preconceito contra os negros é uma marca da igreja católica, que, para diminuir a força das religiões africanas e avalizar a escravidão, disse que os negros não tinham alma.
O novo presidente dos Estados Unidos não passa de um presidente como outro qualquer. Não será nem melhor nem pior para a humanidade. E poderá ser melhor se gastar verbas com a paz e não com a guerra. Mas teremos que ver na prática. Chega de hipocrisia e de quererem tirar proveito politicamente, em todo o mundo, celebrando esta eleição como a recuperação da ética humanista perdida.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Razão e Emoção

Ao nascer, trazemos, além das forças da natureza, uma carga arquetípica, toda a programação genética, os instintos e a pureza dos primeiros momentos da vida. A partir daí tem-se início a desconstrução desses fatores com a pressão cultural da super-estrutura. Começa o processo de formação da nossa personalidade que nada mais é do que a síntese desse confronto: natureza Xcultura. O que é reprimido se instala em zonas psicológicas remotas e o que é aceito utilizamos para a interação com os outros. Surge o ego. Uma deformação de nossa essência que apresentamos ao mundo para que não sejamos condenados pelas regras estabelecidas num acordo firmado ao longo da história da humanidade. Em termos coletivos esse acordo é útil. Individualmente ele é perverso, mutilador.
Assim, duas forças básicas passam a conduzir nossas ações: a razão e a emoção. A razão é moderadora, cultural, organiza e obedece aos interesses coletivos, sempre com a tendência para favorecer a quem detém o poder. A emoção é sanguínea, imediata, individual, embora possa “contaminar” outros em situações especiais quando surge a turba descontrolada. A emoção possui suas próprias regras, é desencadeada por fatores biofisicoquímicos e psicológicos; pode ser agressiva ou branda; silenciosa ou barulhenta. A razão é acionada para buscar um certo equilíbrio, para fomentar a adaptação. A emoção é acionada quando a adaptação já não é mais possível e o próprio corpo busca o reequilíbrio. A razão produz o comportamento ético, aceitável e sugere as bases do que é considerado o bem. A emoção é livre e não se submete aos princípios do bem o do mal. A razão vê o belo. A emoção o sente; A razão elabora as formas; a emoção processa os conteúdos; A razão define as técnicas; a emoção acrescenta os sentimentos. A razão organiza os pensamentos; a emoção os utiliza como disfarce. A razão prescreve o dever; a emoção noticia o desejo. A razão enobrece com as virtudes mas desumaniza a nossa essência; a emoção se degrada com os vícios mas fortalece a nossa alma; A razão intercepta a vontade; a emoção abre caminhos para ela; A razão luta contra a paixão; a emoção alia-se a ela; Somente no amor a razão e a emoção estão unidos. Por que o amor é o filho sublime da união entre razão e emoção.
Pouquíssimas são as pessoas que observam em que circunstâncias suas emoções surgem. No entanto é possível que, através de uma observação sistemática, possamos combinar razão e emoção, gradativamente, minimizando os efeitos negativos que causam atitudes impensadas, sem que nosso corpo sofra as conseqüências de uma repressão violenta à emoção.
No processo de adaptação ao convívio com as regras e com os outros reprimimos emoções que deveriam ser incorporadas à nossa personalidade. Cedo ou tarde elas ressurgem, deformadas, querendo ocupar o seu espaço. Devemos encontrar um método, uma forma, um procedimento, enfim, um jeito de reintegrarmos esses conteúdos que ficaram para trás, recuperando, assim, a nossa verdadeira essência. Esse caminho pode ser a auto-análise, a terapia, uma experiência alucinógena, atividade religiosa ou mesmo a observação sistemática. O importante é não atravessarmos toda a nossa vida, numa experiência única, sem buscarmos compreender quem somos nós.



Sestor Azimbara

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Continuação de A Poesia e o Delírio

Patrícia leu todos os cento e vinte poemas naquela noite e, a cada página, via-se através de metáforas, imagens e belas construções poéticas. Estava extremamente agradecida àquele homem que, tão amorosamente, dedicara sua atenção para escrever coisas tão lindas. Ao mesmo tempo, receava que tudo aquilo fosse uma obsessiva forma de se apaixonar; um comportamento doentio. Intuitivamente deixou seu coração decidir e resolveu ligar para agradecer e dizer o quanto estava orgulhosa por ter sido retratada em versos tão envaidecedores e carinhosos.
Enquanto pensava, folheava o livro até que percebeu, na última página, onde se apresentam dados sobre a editora e o ano, um pequeno texto:
“ Não sei se a vida me dará oportunidade de conviver com você e, certamente, se isso não acontecer eu viverei até o fim dos meus dias, mas o coração terá virado um castelo inútil de uma rainha que viveu somente eu meus delírios e em minha poesia. Contudo, se o destino, os Deuses, a sorte ou seja lá o que for, me aproximar de você e me for dada tal oportunidade, saiba que serei um homem pleno, um poeta absoluto, cuja poesia se humanizara e viveria ao seu lado, travestida de uma mulher linda. A vida teria, finalmente, iniciado para mim.”
Duas lágrimas rolaram no rosto de Patrícia. Ela fechou o livro e olhou para a longínqua distância que ainda existia entre o sentimento de gratidão e a possibilidade de corresponder àquele amor já tão maduro. Não saberia dizer se em algum momento isso aconteceria. Estava só, sem namorado. Sérgio era um homem mais velho, porém muito atraente. Demonstrara inteligência e sensibilidade. Talvez sua paixão fosse legítima e não fosse uma manifestação de um comportamento obsessivo.
Por volta de oito horas da noite ela ligou para Sérgio. O telefone dele chamou várias vezes. Insistiu e nada de resposta. Nove e meia ela ligou novamente. Nada. Decidiu que ligaria somente no dia seguinte. Melhor, passaria cedo em sua casa.
No dia seguinte foi à casa de Sérgio. No cartão tinha o endereço. Ela subiu e tocou a campanhinha. Não houve resposta. “Ele já saiu, tão cedo?” Pensou. Ligou novamente para o celular e ouviu a mensagem de fora de área ou desligado. No cartão tinha os telefones do jornal e da universidade mas ele não estava em nenhum dos dois. Ela dirigiu-se à clínica. Ao chegar, pediu à secretária para ficar tentando comunicação com os telefones dele. Durante todo o dia ela tentou e nada conseguiu. À noite, depois de ligar várias vezes, foi dormir um pouco preocupada. O que estaria acontecendo? Sérgio estaria fugindo dela? Viajara? Pensou até no pior...
Pela manhã foi à casa dele e perguntou aos vizinhos. Todos disseram que não o tinham visto mais. Um deles disse que ele deveria estar em casa pois o cadeado do portão, que protegia a porta, não estava trancado. Esta informação fez o estômago de Patrícia gelar. Imediatamente ligou para a polícia, se identificou e pediu que alguém fosse lá para arrombar a porta.
Meia hora depois, os policiais chegaram e arrobaram a porta. O corpo de Sérgio ocupava, semi-nu, o centro da sala. Uma música suave vinha do quarto, de um rádio que anunciava a solidão daquele homem, que finalmente tinha chegado a um termo.


Fim

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Continuação de A Poesia e o Delírio
Um silêncio invadiu o carro, talvez com a missão de deixá-los recompor-se após aquela revelação. A ambigüidade da situação confundiu suas mentes e seus sentimentos. Para ele havia uma alternância entre tensão e alívio, para ela medo e contentamento. Mas, ela queria entender tudo aquilo:
- Mas...Nós mal nos conhecemos...
- Eu a conheço, acho que há mais de um ano.
- Um ano? Mas eu...
- Eu sei...Você não me via, mas eu a olhava, quase que diariamente, atravessando a praça. E cada passagem sua era o parto de um poema. Você é tão bonita que é impossível passar despercebida e, para os poetas, como eu, a natureza quis definir a beleza e a aí você nasceu.
- O senhor está exagerando.
- Pode me tratar por você.
- Está bem. Acho que você exagerou, Sérgio, eu não sou isso...
- Leia esse livro. Ele fala o que eu sinto e como vejo você.
- É verdade? É sobre mim mesmo? Você não estava brincando?
- Pode acreditar. O lançamento dele é daqui a duas semanas.
- Eu não sei nem o que dizer mais.
- Não diga nada, só leia o livro.
Chegaram à casa de Sérgio. Ele agradeceu a carona e desceu. Ela agradeceu o livro e os dois trocaram números de telefones. Ela disse para ele seguir as recomendações médicas.
Em casa, deitado em sua cama, olhando o teto, Sérgio respirava fundo para oxigenar o cérebro e recuperar o fôlego que parecia ter prendido enquanto conversavam. Lembrou do sonho que o orientava como abordá-la e riu. No sonho alguém dizia para ele falar com o coração que aquele livro era totalmente inspirado nela. Seu coração usou sua própria linguagem para dizer isso. Patrícia, absorta em pensamentos, dirigia e imaginava o que tinha naquele livro, ainda sem acreditar que era inspirado nela. Tinha consciência de sua beleza, mas jamais imaginara que chegasse a ser motivação para alguém escrever poemas sobre ela. Até namoros estavam difíceis, não por falta assédio, mas por falta de tempo e de opções razoáveis. Como toda mulher muito bonita, tinha dificuldades em manter seus relacionamentos, principalmente por que os homens que dela se aproximavam ficavam possessivos, inseguros e paranóicos. Era o preço de ser tão bela. Aquela manifestação de romantismo a surpreendia: um livro inteiro de poemas sobre ela?
Antes mesmo do banho, Patrícia pegou o livro e o abriu na dedicatória: “Para a mulher cuja existência deu vida a esses poemas”. Na orelha do livro tinha dados biográficos do autor, onde dizia ser ele Jornalista, Professor de Literatura e Poeta. Aquele era o terceiro livro a ser publicado. Tinha quarenta anos e trabalhava em um grande jornal, embora usasse pseudônimo para seus artigos que tratavam sobre o cotidiano. O primeiro poema já a deixou sem graça:
Eis que me surpreende a vida
Dando-me tua imagem
E a tarde, antes apenas áspera tarde,
Solitário complemento do dia,
Enche-se de uma maciez plácida,
De um aveludado deslizar do tempo,
De um ritmado caminhar.
Eis que me revolve a verve apaixonada da poesia
E o manto raro da inspiração
Deita-se em meu peito
Sugando as primeiras batidas de um novo coração
Levando às minhas mãos palavras
Cravando no papel versos
Versos que querem dizer:
Se existes, se podes ser tão bela
Impossível é não existir, também, o amor.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Continuação de A Poesia e o Delírio
Os funcionários do hospital tentaram encontrar uma pessoa da família para avisar que ele estava internado por causa de um ataque cardíaco. Na lista do seu celular, conseguiram falar com um editor de livros, um jornalista, um motorista de táxi, uma massagista, dois amigos e outras pessoas que não tinham nenhum vínculo de parentesco com ele. Os dois amigos, companheiros de barzinho, o visitaram. Não chegaram a falar com ele, pois ainda estava no CTI. A verdade é que ele era um solitário navegante por entre as colunas de concreto, a tinta negra do chão das ruas e os milhares de rostos que transitam pelas cidades como zumbis que riem, choram, ganham dinheiro, pagam dívidas, sonham, até se emocionam. Parecem viver intensamente, mas no fundo já estão mortos naquele caldo cotidiano repetitivo, sem nenhuma perspectiva de um passo à frente em sua evolução espiritual. Flutuam no universo das conquistas materiais e das variações de humor, entremeados por álcool, remédios e pregadores psicopatas. Certamente, outros têm os pés no chão e não se deixaram triturar pelas relações forjadas no egoísmo e, com os olhos voltados para dentro de si, enxergam o longo caminho que deverão seguir para o encontro consigo mesmo. Caminho que passa pela visão que os outros são parceiros, por isso a solidariedade é um transporte a ser compartilhado. Era assim que ele configurava o seu mundo.
Alguns dias depois, já recuperado, foi autorizado a voltar para sua casa. Perguntara, ao acordar, como havia chegado ali. Com paciência, a funcionária contou o que tinha ocorrido. “Uma médica?” Pensou. Aquela, cuja beleza quase o matara? Que fizera seu coração quase parar de vez? Também fizera seu coração voltar a bater? Que mulher seria essa? Como poderia estar tão senhora da sua vida, controlando as batidas do seu coração?
A funcionária do hospital sugeriu que ele fosse acompanhado por alguém até em casa. Ele disse que não tinha necessidade. Pegaria um táxi e chegaria bem em casa. Por precaução, a funcionária ligou para a médica que o levara. Ela pediu que o detivesse por mais uma hora que ela o apanharia e o levaria para casa. Fizeram-no esperar, sob pretexto de uma revisão em seu estado geral. Alguns exames seriam feitos.
Uma hora depois, uma voz feminina o interrompia quando telefonava em busca de um táxi:
- Olá! Vejo que o senhor já está em plena forma novamente. – Ele virou-se para ver que fenômeno sonoro era aquele que o fez gelar. Ela estava ali, falando com ele. A Mão dela ofereceu-se para um aperto e ele, ainda mudo, correspondeu.
- Muito prazer, Patrícia Gutierre.
- Prazer... Sérgio Navarro.
- Estou feliz porque o senhor está bem.
- Você salvou a minha vida. Como se pode agradecer isso?
- Não se preocupe, como médica é minha obrigação salvar vidas. Eu o levarei para casa.
- Mas...
- Tenho tempo suficiente, vamos.
Os dois dirigiram-se ao carro. Durante a viagem ele abriu um livro e rabiscou algumas palavras na primeira página. Deixando-o no carro disse:
- Este é para você. – Ela o pegou e o olhou:
- A Poesia e o Delírio... é seu?
- Totalmente inspirado em você. – Seu coração voltou a acelerar.
- Como assim? – Disse ela completamente tomada por uma surpresa que trazia uma mistura de medo, lisonja, desconfiança e perplexidade.


Continua...

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Continuação de A Poesia e o Delírio

O dia amanheceu com o sol infalível entrando pelas frestas e se fazendo presente em seu quarto. Ao abrir os olhos veio a lembrança do sonho e as batidas do coração uniram-se a um frio de hortelã que correu o estômago. Não é que sonhara mesmo com um jeito de abordar a moça! Sentou na cama e olhou para a tarde, embora no relógio fosse ainda sete da manhã. Ficou a imaginar a reação da musa caso realizasse a sugestão daquele sonho doido. Sabia que sonhos são manifestações legítimas da nossa realidade interior e tinham credibilidade suficiente para serem considerados. Mas aquele? Tentar se aproximar de uma mulher daquela forma? Não se tinha jamais ouvido falar em conquistar uma dama com tão inusitado argumento. Mas decidira seguir sua intuição, certamente influenciada pela paixão, e confiaria na mensagem recebida enquanto dormia.
O dia passava e uma dor no peito já era sentida, talvez pela ansiedade ou pelas batidas alteradas do coração. Ele chegou à praça pontualmente às dezessete horas e dirigiu-se ao seu lugar estratégico, para sentar. Naquele não podia, estava ocupado. Procurou outros e constatou que teria que esperar em pé. Nenhum estava disponível. Será que isso era um sinal de que não daria certo? No sonho parecia tudo perfeito. Encostou seu ombro numa árvore e iniciou a espera olhando o relógio a cada minuto.
Vinte minutos se passaram e a praça ganhou uma dinâmica diferente. A luz do sol anunciava a aproximação do crepúsculo; os pássaros se amontoavam nas copas das árvores e melodiavam seus cânticos, confundindo-se com buzinas, sirenes, propagandas, e roncos de carros; as pessoas apressavam o passo para alcançar o coletivo do horário. O coração dele acelerou mais ainda e seus olhos brilharam com a imagem da sua amada que pisava a praça na outra extremidade. Ele ajeitou a gola da camisa, baixou uns fios de cabelo, subiu a calça e começou sua caminhada em direção à moça.
Pela distância e ângulo, eles se encontrariam no centro da praça, perto da torre do relógio. Ali ele iniciaria sua corte. Ela se aproximava. Ele, ora apressava o passo, ora diminuía. Queria que o encontro fosse perfeitamente igual ao sonho. A dor do peito aumentou. Uma dormência surgiu em sua mão esquerda e a dor estendeu-se por todo braço. A respiração começou a ficar difícil, mas ele continuava a andar. Andou por mais três metros e caiu nos pés da mulher amada. Ela, imediatamente começou o processo de salvamento com massagem e respiração boca a boca, enquanto pedia para alguém chamar uma ambulância. A ambulância chegou e ela o acompanhou até o hospital. Depois que estava tudo sob controle, com ele fora de perigo, medicado e devidamente internado, ela foi para sua casa.

Continua...

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A Poesia e o Delírio

O vento cobriu displicentemente seus olhos verdes e a mão buscou um movimento de recomposição da elegância e da perfeição do penteado. O corpo girou evitando que aquele fenômeno insistisse em desgrenhar seus cabelos. A outra mão segurou o vestido para que a exposição não fosse mais íntima. A praça inteira, em seus transeuntes femininos e masculinos, olhou aquele corpo movimentando-se em nome do pudor, do charme e da discrição.
Ao contrário dos outros, ele tirou o olhar dela e voltou-se para todos que a olhavam e sentiu um peso em seu peito por achar que lhe roubavam o direito de sozinho apreciar aquela expressão de uma estética que a natureza não distribuiu tão democraticamente. Parado, no meio da praça, relaxou por perceber que o tempo seguira seus desígnios e cada uma daquelas pessoas voltou-se para seu próprio mundo e esqueceu a moça. Senti-a como dele, não por ser ela mas por ser tão bela. Entendia que sua alma de poeta era a única capaz de enxergar, sentir e dizer, em versos curtos e densos, o quanto admirava a beleza e como ela se vestiu de mulher naquele exemplar de ser humano.
Após tê-la encontrado nesse mesmo caminho, que a fazia cruzar a praça, sentava, toda tarde, a partir das quatro horas no mesmo banco e deixava seus olhos deslizarem naquele caminhar, curioso por saber que alma teria sido contemplada com corpo tão escultural e rosto tão bonito. Não teria coragem de abordá-la para conhecê-la. Por que faria isso? O que diria? Que era poeta e estava deslumbrado com tanta beleza? Que ela se tornara a principal fonte de inspiração para seus versos? Que espécie de maluco faria uma coisa assim? Certamente ela chamaria a polícia e diria que um tarado a perseguia.
Há momentos em que desejamos ser príncipes, ricos, irresistíveis para chamar a atenção de mulheres como ela. Mas se o fôssemos não seríamos poetas e o desejo não teria as raízes fincadas no amor, somente na conquista. E por estarmos a altura dela, em termos de atributos físicos, não seria a conquista tão valiosa. Este dilema acrescentava uma pequena angústia ao seu cotidiano, ao deitar-se e rever as imagens do dia, na praça. Ele a via como um poema feito mulher, os outros a viam como uma mulher desejada. Um poema arrasta de dentro do poeta suas noites, suas emoções, sua infância, seus medos, suas paixões, suas alegrias, suas dores. Aquela mulher já estava roubando seu tempo, também. Era um poema que se reescrevia diariamente, a cada dia com mais força, mais emoção, mais desejo, mais paixão, mais sofrimento, mais alegria. E ele se deixava inundar por aquelas águas turvas de incertezas que é a vida apaixonada, principalmente quando vivida unilateralmente.
Naquela noite decidiu abordá-la, quando seus passos o desafiassem novamente. Pensaria em algo para perguntar. Talvez num sonho, mensagem sábia da natureza, surgisse a maneira infalível de abordagem, sem traumas, sem constrangimento; talvez uma idéia brotasse ao acordar. Adormeceu convencido que o dia havia chegado e só faltava uma boa desculpa para, finalmente, ouvir a voz e saber o nome daquela tortura feminina que lhe tirava o sono e lhe arrancava os versos.


Este conto é de minha autoria e terá sua continuidade publicada nos próximos dias.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Inquietação

A minha inquietação não me deixa viver sem querer desvendar alguns mistérios da vida e do mundo. Nem mesmo Joseph Campbell, em seu livro o Poder do Mito, aliviou minha ansiedade ao dizer que o mundo é assim porque é assim. Não existem segredos. E nós, que fazemos parte do todo, jamais compreenderemos o universo, sem a interferência das limitações da nossa capacidade de conhecer.
Apesar disso, meu espírito não se conforma em não saber se temos companheiros em outros Planetas; se o universo é finito ou infinito, embora seja mais plausível a finitude e o Big Bang; qual o destino da vida num futuro longínquo e que outras energias novas serão descobertas. Terá a humanidade tempo para descobrir uma forma de transformar os sonhos em ondas eletromagnéticas e gravá-los? Serão os alienígenas seres religiosos ou, se não o são, como resolvem seus problemas espirituais? Quantas perguntas poderíamos fazer? Quantas respostas poderemos dar?
A maioria das pessoas está neutralizada pela crença em Deus. O espírito aberto com as indagações são fechados com Deus sendo a resposta para tudo. Até o conceito de Deus é uma dúvida para meu espírito agnóstico. Não sei. Tenho dúvidas. Não consigo acalmar-me vendo o tempo esvair-se e meu coração permanecer angustiado e a mente elaborando incessantemente questionamentos que os livros não esclarecem. Não consigo entender o que busca a natureza em sua transformação constante da matéria, chegando à forma humana, às suas inúmeros relações celulares, ao seu espírito imperfeito. Se me deram perguntas por que não me deram as respostas? Tenho que ir buscá-las? Até temos, nós, pobres humanos, encontrado, do nosso jeito, algumas respostas. Mas existem perguntas que jamais vamos poder responder. Ou até poderíamos, se tivéssemos tempo. Se a nossa ignorância não nos tivesse jogado no caminho irreversível que destrói nossa casa e mata a vida.
A verdade é que continuamos, após milhões de anos, cometendo erros que não deveríamos mais cometer; acertamos em algumas coisas. Na arte e nos esportes. São os únicos acertos humanos. A ciência foi um equívoco triplo. Primeiro pela motivação: a vontade de se eternizar; segundo pela metodologia e, finalmente o descaminho, ou seja, o fato de passar a ser usada em nome do lucro. A religião é um equívoco duplo: Primeiro pela motivação: a conformação com a finitude da vida; segundo pelo descaminho: o uso da Fé para obtenção e manutenção do poder.
Que me respondam os sábios! Que me acalmem o espírito! Que preencham a minha mente!



Sestor Azimbara

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

As Mulheres e o Romantismo

Tenho escrito sobre assuntos polêmicos e feito provocações para despertar, em meus interlocutores, contestações ou concordâncias. Mas, o que tenho como resposta é um profundo silêncio, uma indiferença brutal e me pergunto: por que as pessoas não reagem às provocações?
A verdade é que ninguém quer saber se existe ou não vidas em outros planetas; se Deus existe; se há vida após a morte; se as virtudes devem basear o comportamento humano; se a vida no nosso planeta está se esvaindo; se o amor vale a pena As pessoas querem saber qual o produto tecnológico de ponta; qual o carro de designer mais bonito; qual a roupa da moda; quem é o artista mais badalado; qual o preço do objeto de consumo do vizinho; qual político do círculo de amizade vai estar no poder; onde está a fonte do prazer fácil e rápido.
Talvez exista uma faixa etária de mulheres que me contradiga e que ainda acredite no príncipe encantado e na vida a dois duradoura. Acredito até que essas mulheres esperam que apareça um cavaleiro cavalheiro que as tome nos braços e declare seu amor apaixonado.; leve-as para a cama e no dia seguinte telefone deslumbrado com a lembrança insistente do seu cheiro e do seu sorriso. Penso mesmo que, a despeito de muitas delas serem oriundas de casamentos mal-sucedidos, ainda desejem o matrimônio, posto que a encenação da igreja é um marco que aparentemente solidifica os relacionamentos, que consolida as paixões; que reafirma as intenções do amor diante do divino. Sei, no entanto, que nessa busca muitas delas se deparam com as surpresas da noite; os falsos nobres; as promessas decepcionantes; o sexo desprazeroso; os clichês do falso romantismo.
Nesse desencontro de anseios com a efetiva realidade hedono-consumista, principalmente do mundo masculino, estão as mulheres que dirigem empresas, presidem setores importante das repartições públicas, são profissionais liberais, enfim, possuem uma certa independência material e que, apesar de demonstrarem ser fortalezas em seus postos de trabalhos, são emocionalmente vulneráveis e sofrem com o surpreendente comportamento predominante dos machos, que querem aventuras rápidas e descomprometidas.
As novas gerações que “normatizaram” o descompromisso não se preocupam com o romantismo; não sofrem muito com as traições; não acreditam no amor como fonte alimentadora de um relacionamento onde os dois poderão envelhecer juntos. Podemos imaginar que está, portanto, nas mãos das mulheres da faixa etária citada acima a tarefa de não deixar morrer a fé no amor; no bom entendimento entre dois amantes; no romantismo que põe a vida e a natureza como fatores importantes do mundo; na possibilidade da fidelidade e da felicidade. Não sei como farão isso. Não sei se isso ainda é possível. Sei apenas que elas são as pessoas que estão com o controle nas mãos. Seja no campo do trabalho, seja na crença da força do amor.
Voltando às provocações, quero dizer que o que mais marca essas gerações, cuja salvação está nas mãos das mulheres maduras e sós, é a solidão, apesar de terem se multiplicado as formas de comunicação. Escrevemos quase que diariamente para todos os amigos e não falamos com nenhum, pois a mensagem é mais importante do que os interlocutores., por isso a mandamos para muitos, ao mesmo tempo, e nenhum nos responde. As minhas provocações são mensagens de um solitário que, apesar de ser enviadas para muitas pessoas quer, no fundo, obter pelo menos a resposta de uma delas. Talvez eu esteja contaminado pelo romantismo das mulheres de trinta a cinqüenta anos. Talvez eu ainda acredite na amizade.



Sestor Azimbara

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Nós e os Mundos

A imprensa mundial criou uma forma nova de se estar no mundo. Nesse mundo estão presentes o ídolo, o carrasco, o ódio, o amor, o sucesso, o fracasso, a alegria, a tristeza, o sofrimento, o prazer e muitos outros “contrários” que nos levam da depressão à euforia em questão de minutos. Assim eles vendem todos os produtos que anunciam e suprem o vácuo deixado pela angústia causada por tanta contradição. Mas, logo ali, pertinho, temos outro mundo, o virtual que também nos faz passear por todo esse conjunto de sentimentos de forma muito rápida, também. Nele, desaprendemos a encarar o outro, frente a frente. Esquecemos a forma correta de escrever, mas somos “inteligentes” pois sabemos escolher o arquivo certo para manipular o universo cibernético.
Esquecido, desprezado, abandonado, castigado, aviltado está o mundo real, com pessoas reais, que vivem emoções verdadeiras, sentem as dores e as alegrias autênticas. Mundo que dá sinais de sua existência reagindo às agressões que lhes acometem, com furacões, tremores, desequilíbrios climáticos e catástrofes inesperadas.
Em meio a esses mundos estamos nós, seres, ora arrogantes, pelas conquistas científicas e tecnológicas ora acabrunhados, por não ter ainda encontrado o termo da vida e que ainda sonham com a felicidade, luz de um túnel sem fim, fim de um túnel sem luz.
Oportunamente alguém diria: resta Deus. Digo que, ao contrário do que falou Sartre, o inferno não são os outros, Deus é o outro, com sua mão firme, que, no seu universo confuso por tantos mundos que lhe são ofertados, também padece pela solidão e deseja unir-se nesta viagem com passagem apenas de ida. Melhor não ir sozinho. Melhor olhar a paisagem segurando a mão do outro para juntos vislumbrarem a beleza e o valor de se ter essa única vez para passear no mundo verdadeiro. Melhor estar com o outro, em paz, em harmonia e solidário, pois assim é estar com Deus.




Sestor Azimbara.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Criando um Blog

O mundo virtual, apesar de distanciar as pessoas, criar relações inconsistentes e fomentar a solidão e o egocentrismo, é um mundo fascinante, cheio de possibilidades, rápido, democrático e facilitador da expressão do tímido e anônimo. Este Blog é uma oportunidade de publicar algumas anotações em forma de crônicas, contos, poesia e opiniões em geral, com o objetivo de despertar em meus interlocutores um debate, que apesar de diletante, possa aprofundar questões sobre a vida e o cotidiano.
Espero que todos possam contribuir com o desenvolvimento deste Blog e que ele seja um espaço realmente democrático para que o silêncio de cada um seja transformado em palavras, cortantes ou alentadoras, pacíficas ou contudentes, poéticas ou filosóficas, carregadas de emoção ou geladas pelo raciocínio.



Abraço a todos.