quinta-feira, 29 de abril de 2010

Órfãos da Verdade

Procuro incansavelmente uma fonte confiável, que mostre com limpidez a verdade, que nos faça acreditar que não mente, em nome dos próprios interesses. Procuro, feito Diógenes Laércio, com uma lâmpada acesa em pleno dia, um caminho tranquilo, sem os espinhos da mentira, as pedras da arrogância, os abismos da desonestidade, os obstáculos da enganação. As igrejas, que poderiam ser tais caminhos, sucumbem podres, sob um manto falso de seriedade, manchadas, ora pela imoralidade dos seus membros, ora pela ganância desenfreada de homens inescrupulosos que se dizem bispos. Os partidos políticos que, em teoria, possuem programas quase perfeitos para o bem da maioria, decaem, em lama fétida, nos bastidores do poder. A imprensa, esperança de esclarecimento dos fatos, com a versão verdadeira, não passa de uma enorme cadeia de geração de falsas verdades, conforme lhes sirvam e atendam às metas da audiência.

É assim, a civilização engendrada pelas relações capitalistas. Por isso não sigo doutrinas religiosas, não acredito nos partidos políticos e prefiro filmes a noticiários da TV. Quero desenvolver minha espiritualidade buscando o autoconhecimento; Quero participar politicamente, votando no menos ruim, embora saiba que na política a ética é apenas instrumento da retórica e, inevitavelmente, o menos ruim “evoluirá” para o ruim; Quero me informar sobre os acontecimentos vendo os fatos, porque a análise deles é o que existe de menos irrefutável nos órgãos da imprensa.

O amor é ainda a única fonte de verdade confiável, mas só aparece quando temos filhos. Os filhos gostam dos pais e muitos os respeitam, mas amor mesmo, verdadeiro, incondicional, só os pais sentem pelos filhos. Portanto, para chegarmos à verdade, temos que passar primeiro pelo amor. Não há amor nos sacerdotes; não há amor nos políticos e não há amor nos donos da imprensa, por isso eles jamais transmitirão a verdade.

Paulo Viana

domingo, 25 de abril de 2010

A Beleza de uma Tragédia

Dois homens, um político e um poeta, se conheceram em uma festa. Por um momento ficaram a sós. Um silêncio profundo se instalou e seus olhares buscavam sempre uma imagem que não fosse os olhos do outro. O político não sabia como iniciar uma conversa com um homem que, em seu julgamento, vivia em um mundo de fantasias, de imagens poéticas e de subjetividade. O Poeta, por sua vez, não queria conversar com um homem que vivia em um mundo de relações suspeitas, de interesses duvidosos e de louvação ao poder.

Depois de alguns momentos, os dois se olharam e um inevitável sorriso esboçou-se em ambos os lábios. Mesmo assim, o silêncio continuou. O poeta imaginou como seria diferente aquele encontro se os políticos fossem honestos e não despertassem a desconfiança das pessoas. Por sua vez, o político desejou que ali estivesse um intelectual que compreendesse as nuances da vida política e tolerasse as concessões éticas que são feitas para garantia e manutenção do poder. O poeta pensou em falar sobre seu próximo livro, o político sobre as eleições. O silêncio continuou.

Enquanto os dois permaneciam receosos e sem assunto, aproximou-se uma moça, extravagantemente linda, com uma bandeja e alguns copos de bebida. Ao contrário dos dois, que não queriam se olhar, os olhos da moça, erguidos sobre um sorriso arrebatador, penetrou como uma lâmina nas pupilas deles. Desconcertados, os dois se olharam. O poeta pensou: Que fonte de inspiração! Vou escrever um poema tão bonito, em homenagem a ela, que, certamente, a conquistarei. O político pensou: Esse, sim, é um voto de qualidade. Quando for eleito a convidarei para trabalhar comigo e, com o tempo a conquistarei.

Quando a moça se afastou, o poeta disse: Que moça linda, não é? O político respondeu: Linda demais.

O dono da festa, amigo dos dois, se aproximou e perguntou: Esse tempo todo em que vocês estiveram conversando, conseguiram se entender? Os dois responderam: Concordamos em tudo que conversamos. E sobre o que vocês conversaram? O político, com sua prepotência costumeira disse: Sobre a beleza de minha futura namorada. O poeta, com sua maestria com as palavras, disse: Falávamos sobre a beleza de uma poesia que se fez moça.

O anfitrião abraçou os dois e disse: Não sei sobre o que vocês estão falando, mas confesso que eu temia que, por serem tão diferentes, vocês jamais se entenderiam.

E com esse mal-entendido, sobre o entendimento dos dois, a festa terminou. O político descaradamente pediu o telefone da moça. O poeta pediu também.

Depois de eleito, o político cumpriu o prometido e contratou a moça. No dia de sua posse, o poeta entregou-a, discretamente, o poema. Os dois passaram a cortejá-la. O político a conquistou com mimos, o poeta com versos. O político a desposou, o poeta a amou.

O triângulo amoroso foi descoberto. Houve um escândalo e uma grande briga entre eles. O político matou o poeta e foi preso. A moça, único motivo de entendimento entre eles, transformou-se na causa do maior desentendimento. A concordância virou uma tragédia.

Paulo Viana