terça-feira, 4 de novembro de 2008

Continuação de A Poesia e o Delírio

Patrícia leu todos os cento e vinte poemas naquela noite e, a cada página, via-se através de metáforas, imagens e belas construções poéticas. Estava extremamente agradecida àquele homem que, tão amorosamente, dedicara sua atenção para escrever coisas tão lindas. Ao mesmo tempo, receava que tudo aquilo fosse uma obsessiva forma de se apaixonar; um comportamento doentio. Intuitivamente deixou seu coração decidir e resolveu ligar para agradecer e dizer o quanto estava orgulhosa por ter sido retratada em versos tão envaidecedores e carinhosos.
Enquanto pensava, folheava o livro até que percebeu, na última página, onde se apresentam dados sobre a editora e o ano, um pequeno texto:
“ Não sei se a vida me dará oportunidade de conviver com você e, certamente, se isso não acontecer eu viverei até o fim dos meus dias, mas o coração terá virado um castelo inútil de uma rainha que viveu somente eu meus delírios e em minha poesia. Contudo, se o destino, os Deuses, a sorte ou seja lá o que for, me aproximar de você e me for dada tal oportunidade, saiba que serei um homem pleno, um poeta absoluto, cuja poesia se humanizara e viveria ao seu lado, travestida de uma mulher linda. A vida teria, finalmente, iniciado para mim.”
Duas lágrimas rolaram no rosto de Patrícia. Ela fechou o livro e olhou para a longínqua distância que ainda existia entre o sentimento de gratidão e a possibilidade de corresponder àquele amor já tão maduro. Não saberia dizer se em algum momento isso aconteceria. Estava só, sem namorado. Sérgio era um homem mais velho, porém muito atraente. Demonstrara inteligência e sensibilidade. Talvez sua paixão fosse legítima e não fosse uma manifestação de um comportamento obsessivo.
Por volta de oito horas da noite ela ligou para Sérgio. O telefone dele chamou várias vezes. Insistiu e nada de resposta. Nove e meia ela ligou novamente. Nada. Decidiu que ligaria somente no dia seguinte. Melhor, passaria cedo em sua casa.
No dia seguinte foi à casa de Sérgio. No cartão tinha o endereço. Ela subiu e tocou a campanhinha. Não houve resposta. “Ele já saiu, tão cedo?” Pensou. Ligou novamente para o celular e ouviu a mensagem de fora de área ou desligado. No cartão tinha os telefones do jornal e da universidade mas ele não estava em nenhum dos dois. Ela dirigiu-se à clínica. Ao chegar, pediu à secretária para ficar tentando comunicação com os telefones dele. Durante todo o dia ela tentou e nada conseguiu. À noite, depois de ligar várias vezes, foi dormir um pouco preocupada. O que estaria acontecendo? Sérgio estaria fugindo dela? Viajara? Pensou até no pior...
Pela manhã foi à casa dele e perguntou aos vizinhos. Todos disseram que não o tinham visto mais. Um deles disse que ele deveria estar em casa pois o cadeado do portão, que protegia a porta, não estava trancado. Esta informação fez o estômago de Patrícia gelar. Imediatamente ligou para a polícia, se identificou e pediu que alguém fosse lá para arrombar a porta.
Meia hora depois, os policiais chegaram e arrobaram a porta. O corpo de Sérgio ocupava, semi-nu, o centro da sala. Uma música suave vinha do quarto, de um rádio que anunciava a solidão daquele homem, que finalmente tinha chegado a um termo.


Fim

4 comentários:

Lícia Viana Bezerra disse...

Paulinho, gosto muito do jeito que você escreve,o conto é muito delicioso. Voce registrou em algum lugar? lembre que na Internet, alguem pode "roubar" seu patrimônio literário.

Anônimo disse...

Não registrei. Mas não vou me preocupar. Se alguém o roubar que o leiam e entendam a mensagem que o grande amor é aquele que não pode ser destruído pelo relacionamento.

Anônimo disse...

Esse anônimo aí sou eu. Foi um erro.

Felipe disse...

A Patrícia, o poeta, a poesia,
a piração, o piropo, o Paulo...
a partilha.

Tbm gosto muito do jeito que vc escreve.