O tempo inaugura a primeira solidão
O nó é desfeito
Há uma atmosfera de inocência
De pureza, de bondade
O cenário é divinal
Mas logo se estabelece a segunda solidão
Eis que surge o outro
A inevitável e imprescindível mão que recebe
O inesperado assombro do “não si mesmo”
A poeira do sacrifício, da dor, da vivência
O mundo se disfarça de amor e o sexo de alimento
Não importa nenhuma tragédia freudiana
As forças naturais, viçosas, promissoras aos poucos recuam
Se institui o ódio, pois já não há mais pureza
O amor protege, o alimento excita o animal
O que estava moldado reinventa-se no prazer e na dor
O desejo é maculado, nutrido pelo contato entre a suavidade e a rigidez
Uma vez que o desejo fica no vazio a rejeição o preenche
Feito um punhal impiedoso, o não fere mortalmente o sim da vontade
Mas a força da alma vem de uma incomensurável necessidade
Forjada no ventre sagrado do inexplicável
O caloroso e blindado sim das entranhas
E a estética proteica faz a travessia
Do aconchego natural para as missões perversas
No dia e na noite, no deserto ou na miscelânea de luzes e sons
Hércules, Prometeu, Jasão
Todos os heróis, sob ameaça permanente, se põem de guarda
O outro, com armadilhas, molda a covardia ou o triunfo
Há os que quedam pelo caminho, mas há, também, os que vingam
E o uno se aventura no desafio de mudar e ser sempre o mesmo
Chega, por fim, sua terceira e última solidão
Paulo Viana