terça-feira, 28 de outubro de 2008

Continuação de A Poesia e o Delírio
Os funcionários do hospital tentaram encontrar uma pessoa da família para avisar que ele estava internado por causa de um ataque cardíaco. Na lista do seu celular, conseguiram falar com um editor de livros, um jornalista, um motorista de táxi, uma massagista, dois amigos e outras pessoas que não tinham nenhum vínculo de parentesco com ele. Os dois amigos, companheiros de barzinho, o visitaram. Não chegaram a falar com ele, pois ainda estava no CTI. A verdade é que ele era um solitário navegante por entre as colunas de concreto, a tinta negra do chão das ruas e os milhares de rostos que transitam pelas cidades como zumbis que riem, choram, ganham dinheiro, pagam dívidas, sonham, até se emocionam. Parecem viver intensamente, mas no fundo já estão mortos naquele caldo cotidiano repetitivo, sem nenhuma perspectiva de um passo à frente em sua evolução espiritual. Flutuam no universo das conquistas materiais e das variações de humor, entremeados por álcool, remédios e pregadores psicopatas. Certamente, outros têm os pés no chão e não se deixaram triturar pelas relações forjadas no egoísmo e, com os olhos voltados para dentro de si, enxergam o longo caminho que deverão seguir para o encontro consigo mesmo. Caminho que passa pela visão que os outros são parceiros, por isso a solidariedade é um transporte a ser compartilhado. Era assim que ele configurava o seu mundo.
Alguns dias depois, já recuperado, foi autorizado a voltar para sua casa. Perguntara, ao acordar, como havia chegado ali. Com paciência, a funcionária contou o que tinha ocorrido. “Uma médica?” Pensou. Aquela, cuja beleza quase o matara? Que fizera seu coração quase parar de vez? Também fizera seu coração voltar a bater? Que mulher seria essa? Como poderia estar tão senhora da sua vida, controlando as batidas do seu coração?
A funcionária do hospital sugeriu que ele fosse acompanhado por alguém até em casa. Ele disse que não tinha necessidade. Pegaria um táxi e chegaria bem em casa. Por precaução, a funcionária ligou para a médica que o levara. Ela pediu que o detivesse por mais uma hora que ela o apanharia e o levaria para casa. Fizeram-no esperar, sob pretexto de uma revisão em seu estado geral. Alguns exames seriam feitos.
Uma hora depois, uma voz feminina o interrompia quando telefonava em busca de um táxi:
- Olá! Vejo que o senhor já está em plena forma novamente. – Ele virou-se para ver que fenômeno sonoro era aquele que o fez gelar. Ela estava ali, falando com ele. A Mão dela ofereceu-se para um aperto e ele, ainda mudo, correspondeu.
- Muito prazer, Patrícia Gutierre.
- Prazer... Sérgio Navarro.
- Estou feliz porque o senhor está bem.
- Você salvou a minha vida. Como se pode agradecer isso?
- Não se preocupe, como médica é minha obrigação salvar vidas. Eu o levarei para casa.
- Mas...
- Tenho tempo suficiente, vamos.
Os dois dirigiram-se ao carro. Durante a viagem ele abriu um livro e rabiscou algumas palavras na primeira página. Deixando-o no carro disse:
- Este é para você. – Ela o pegou e o olhou:
- A Poesia e o Delírio... é seu?
- Totalmente inspirado em você. – Seu coração voltou a acelerar.
- Como assim? – Disse ela completamente tomada por uma surpresa que trazia uma mistura de medo, lisonja, desconfiança e perplexidade.


Continua...

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