sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Continuação de A Poesia e o Delírio

O dia amanheceu com o sol infalível entrando pelas frestas e se fazendo presente em seu quarto. Ao abrir os olhos veio a lembrança do sonho e as batidas do coração uniram-se a um frio de hortelã que correu o estômago. Não é que sonhara mesmo com um jeito de abordar a moça! Sentou na cama e olhou para a tarde, embora no relógio fosse ainda sete da manhã. Ficou a imaginar a reação da musa caso realizasse a sugestão daquele sonho doido. Sabia que sonhos são manifestações legítimas da nossa realidade interior e tinham credibilidade suficiente para serem considerados. Mas aquele? Tentar se aproximar de uma mulher daquela forma? Não se tinha jamais ouvido falar em conquistar uma dama com tão inusitado argumento. Mas decidira seguir sua intuição, certamente influenciada pela paixão, e confiaria na mensagem recebida enquanto dormia.
O dia passava e uma dor no peito já era sentida, talvez pela ansiedade ou pelas batidas alteradas do coração. Ele chegou à praça pontualmente às dezessete horas e dirigiu-se ao seu lugar estratégico, para sentar. Naquele não podia, estava ocupado. Procurou outros e constatou que teria que esperar em pé. Nenhum estava disponível. Será que isso era um sinal de que não daria certo? No sonho parecia tudo perfeito. Encostou seu ombro numa árvore e iniciou a espera olhando o relógio a cada minuto.
Vinte minutos se passaram e a praça ganhou uma dinâmica diferente. A luz do sol anunciava a aproximação do crepúsculo; os pássaros se amontoavam nas copas das árvores e melodiavam seus cânticos, confundindo-se com buzinas, sirenes, propagandas, e roncos de carros; as pessoas apressavam o passo para alcançar o coletivo do horário. O coração dele acelerou mais ainda e seus olhos brilharam com a imagem da sua amada que pisava a praça na outra extremidade. Ele ajeitou a gola da camisa, baixou uns fios de cabelo, subiu a calça e começou sua caminhada em direção à moça.
Pela distância e ângulo, eles se encontrariam no centro da praça, perto da torre do relógio. Ali ele iniciaria sua corte. Ela se aproximava. Ele, ora apressava o passo, ora diminuía. Queria que o encontro fosse perfeitamente igual ao sonho. A dor do peito aumentou. Uma dormência surgiu em sua mão esquerda e a dor estendeu-se por todo braço. A respiração começou a ficar difícil, mas ele continuava a andar. Andou por mais três metros e caiu nos pés da mulher amada. Ela, imediatamente começou o processo de salvamento com massagem e respiração boca a boca, enquanto pedia para alguém chamar uma ambulância. A ambulância chegou e ela o acompanhou até o hospital. Depois que estava tudo sob controle, com ele fora de perigo, medicado e devidamente internado, ela foi para sua casa.

Continua...

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A Poesia e o Delírio

O vento cobriu displicentemente seus olhos verdes e a mão buscou um movimento de recomposição da elegância e da perfeição do penteado. O corpo girou evitando que aquele fenômeno insistisse em desgrenhar seus cabelos. A outra mão segurou o vestido para que a exposição não fosse mais íntima. A praça inteira, em seus transeuntes femininos e masculinos, olhou aquele corpo movimentando-se em nome do pudor, do charme e da discrição.
Ao contrário dos outros, ele tirou o olhar dela e voltou-se para todos que a olhavam e sentiu um peso em seu peito por achar que lhe roubavam o direito de sozinho apreciar aquela expressão de uma estética que a natureza não distribuiu tão democraticamente. Parado, no meio da praça, relaxou por perceber que o tempo seguira seus desígnios e cada uma daquelas pessoas voltou-se para seu próprio mundo e esqueceu a moça. Senti-a como dele, não por ser ela mas por ser tão bela. Entendia que sua alma de poeta era a única capaz de enxergar, sentir e dizer, em versos curtos e densos, o quanto admirava a beleza e como ela se vestiu de mulher naquele exemplar de ser humano.
Após tê-la encontrado nesse mesmo caminho, que a fazia cruzar a praça, sentava, toda tarde, a partir das quatro horas no mesmo banco e deixava seus olhos deslizarem naquele caminhar, curioso por saber que alma teria sido contemplada com corpo tão escultural e rosto tão bonito. Não teria coragem de abordá-la para conhecê-la. Por que faria isso? O que diria? Que era poeta e estava deslumbrado com tanta beleza? Que ela se tornara a principal fonte de inspiração para seus versos? Que espécie de maluco faria uma coisa assim? Certamente ela chamaria a polícia e diria que um tarado a perseguia.
Há momentos em que desejamos ser príncipes, ricos, irresistíveis para chamar a atenção de mulheres como ela. Mas se o fôssemos não seríamos poetas e o desejo não teria as raízes fincadas no amor, somente na conquista. E por estarmos a altura dela, em termos de atributos físicos, não seria a conquista tão valiosa. Este dilema acrescentava uma pequena angústia ao seu cotidiano, ao deitar-se e rever as imagens do dia, na praça. Ele a via como um poema feito mulher, os outros a viam como uma mulher desejada. Um poema arrasta de dentro do poeta suas noites, suas emoções, sua infância, seus medos, suas paixões, suas alegrias, suas dores. Aquela mulher já estava roubando seu tempo, também. Era um poema que se reescrevia diariamente, a cada dia com mais força, mais emoção, mais desejo, mais paixão, mais sofrimento, mais alegria. E ele se deixava inundar por aquelas águas turvas de incertezas que é a vida apaixonada, principalmente quando vivida unilateralmente.
Naquela noite decidiu abordá-la, quando seus passos o desafiassem novamente. Pensaria em algo para perguntar. Talvez num sonho, mensagem sábia da natureza, surgisse a maneira infalível de abordagem, sem traumas, sem constrangimento; talvez uma idéia brotasse ao acordar. Adormeceu convencido que o dia havia chegado e só faltava uma boa desculpa para, finalmente, ouvir a voz e saber o nome daquela tortura feminina que lhe tirava o sono e lhe arrancava os versos.


Este conto é de minha autoria e terá sua continuidade publicada nos próximos dias.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Inquietação

A minha inquietação não me deixa viver sem querer desvendar alguns mistérios da vida e do mundo. Nem mesmo Joseph Campbell, em seu livro o Poder do Mito, aliviou minha ansiedade ao dizer que o mundo é assim porque é assim. Não existem segredos. E nós, que fazemos parte do todo, jamais compreenderemos o universo, sem a interferência das limitações da nossa capacidade de conhecer.
Apesar disso, meu espírito não se conforma em não saber se temos companheiros em outros Planetas; se o universo é finito ou infinito, embora seja mais plausível a finitude e o Big Bang; qual o destino da vida num futuro longínquo e que outras energias novas serão descobertas. Terá a humanidade tempo para descobrir uma forma de transformar os sonhos em ondas eletromagnéticas e gravá-los? Serão os alienígenas seres religiosos ou, se não o são, como resolvem seus problemas espirituais? Quantas perguntas poderíamos fazer? Quantas respostas poderemos dar?
A maioria das pessoas está neutralizada pela crença em Deus. O espírito aberto com as indagações são fechados com Deus sendo a resposta para tudo. Até o conceito de Deus é uma dúvida para meu espírito agnóstico. Não sei. Tenho dúvidas. Não consigo acalmar-me vendo o tempo esvair-se e meu coração permanecer angustiado e a mente elaborando incessantemente questionamentos que os livros não esclarecem. Não consigo entender o que busca a natureza em sua transformação constante da matéria, chegando à forma humana, às suas inúmeros relações celulares, ao seu espírito imperfeito. Se me deram perguntas por que não me deram as respostas? Tenho que ir buscá-las? Até temos, nós, pobres humanos, encontrado, do nosso jeito, algumas respostas. Mas existem perguntas que jamais vamos poder responder. Ou até poderíamos, se tivéssemos tempo. Se a nossa ignorância não nos tivesse jogado no caminho irreversível que destrói nossa casa e mata a vida.
A verdade é que continuamos, após milhões de anos, cometendo erros que não deveríamos mais cometer; acertamos em algumas coisas. Na arte e nos esportes. São os únicos acertos humanos. A ciência foi um equívoco triplo. Primeiro pela motivação: a vontade de se eternizar; segundo pela metodologia e, finalmente o descaminho, ou seja, o fato de passar a ser usada em nome do lucro. A religião é um equívoco duplo: Primeiro pela motivação: a conformação com a finitude da vida; segundo pelo descaminho: o uso da Fé para obtenção e manutenção do poder.
Que me respondam os sábios! Que me acalmem o espírito! Que preencham a minha mente!



Sestor Azimbara

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

As Mulheres e o Romantismo

Tenho escrito sobre assuntos polêmicos e feito provocações para despertar, em meus interlocutores, contestações ou concordâncias. Mas, o que tenho como resposta é um profundo silêncio, uma indiferença brutal e me pergunto: por que as pessoas não reagem às provocações?
A verdade é que ninguém quer saber se existe ou não vidas em outros planetas; se Deus existe; se há vida após a morte; se as virtudes devem basear o comportamento humano; se a vida no nosso planeta está se esvaindo; se o amor vale a pena As pessoas querem saber qual o produto tecnológico de ponta; qual o carro de designer mais bonito; qual a roupa da moda; quem é o artista mais badalado; qual o preço do objeto de consumo do vizinho; qual político do círculo de amizade vai estar no poder; onde está a fonte do prazer fácil e rápido.
Talvez exista uma faixa etária de mulheres que me contradiga e que ainda acredite no príncipe encantado e na vida a dois duradoura. Acredito até que essas mulheres esperam que apareça um cavaleiro cavalheiro que as tome nos braços e declare seu amor apaixonado.; leve-as para a cama e no dia seguinte telefone deslumbrado com a lembrança insistente do seu cheiro e do seu sorriso. Penso mesmo que, a despeito de muitas delas serem oriundas de casamentos mal-sucedidos, ainda desejem o matrimônio, posto que a encenação da igreja é um marco que aparentemente solidifica os relacionamentos, que consolida as paixões; que reafirma as intenções do amor diante do divino. Sei, no entanto, que nessa busca muitas delas se deparam com as surpresas da noite; os falsos nobres; as promessas decepcionantes; o sexo desprazeroso; os clichês do falso romantismo.
Nesse desencontro de anseios com a efetiva realidade hedono-consumista, principalmente do mundo masculino, estão as mulheres que dirigem empresas, presidem setores importante das repartições públicas, são profissionais liberais, enfim, possuem uma certa independência material e que, apesar de demonstrarem ser fortalezas em seus postos de trabalhos, são emocionalmente vulneráveis e sofrem com o surpreendente comportamento predominante dos machos, que querem aventuras rápidas e descomprometidas.
As novas gerações que “normatizaram” o descompromisso não se preocupam com o romantismo; não sofrem muito com as traições; não acreditam no amor como fonte alimentadora de um relacionamento onde os dois poderão envelhecer juntos. Podemos imaginar que está, portanto, nas mãos das mulheres da faixa etária citada acima a tarefa de não deixar morrer a fé no amor; no bom entendimento entre dois amantes; no romantismo que põe a vida e a natureza como fatores importantes do mundo; na possibilidade da fidelidade e da felicidade. Não sei como farão isso. Não sei se isso ainda é possível. Sei apenas que elas são as pessoas que estão com o controle nas mãos. Seja no campo do trabalho, seja na crença da força do amor.
Voltando às provocações, quero dizer que o que mais marca essas gerações, cuja salvação está nas mãos das mulheres maduras e sós, é a solidão, apesar de terem se multiplicado as formas de comunicação. Escrevemos quase que diariamente para todos os amigos e não falamos com nenhum, pois a mensagem é mais importante do que os interlocutores., por isso a mandamos para muitos, ao mesmo tempo, e nenhum nos responde. As minhas provocações são mensagens de um solitário que, apesar de ser enviadas para muitas pessoas quer, no fundo, obter pelo menos a resposta de uma delas. Talvez eu esteja contaminado pelo romantismo das mulheres de trinta a cinqüenta anos. Talvez eu ainda acredite na amizade.



Sestor Azimbara