segunda-feira, 2 de março de 2009

O Pensamento e o Coração

Quero mandar palavras para minhas mãos, sem que passem pelo peito; sem que recebam o crivo emocionado do coração. Palavras que analisem, friamente, imparcialmente, o ser humano e sua aventura aqui, no Planeta. Quero que minhas mãos digitem com o espírito do crítico desapaixonado, para que os pensamentos expressem, com ponderação, os fatos. Porém, durante a viagem das ideias, da mente para os dedos, há um desvio. Nesse desvio, o meu estômago pulsa e chego a sentir o disparo dos ácidos, mandados pela adrenalina; o tórax ferve, e o coração, acelerado, recolhe a mensagem e a reescreve, soberbo em suas verdades; fiel aos meus sentimentos; vestindo a coragem de não mentir, de filtrar para o branco luminoso do monitor, não só o que penso, mas, sobretudo, o que sinto sobre o que penso.
Por isso, abomino, com veemência, a dimensão que predomina no desenvolvimento da civilização humana, que é a busca do poder absoluto, inclusive sobre a vida e a morte, cujas consequências já sabemos. Ridicularizo a influência da mídia, que há mais de cinquenta anos, decide o que vamos vestir, o que vamos comer, o que vamos comprar, o que vamos apreciar na música, em quem vamos votar, o que vamos pensar, enfim, o que devemos fazer para viver. E há mais de cinquenta anos que o povo atende ao que ela diz. Questiono as religiões, que, aproveitando-se da espiritualidade inerente às pessoas, instituiram-se, ao longo da história da humanidade, numa estrutura de poder, de hipocrisia, de terror, de chantagem, onde os ingênuos sucumbem ao suposto poder divino e, por medo, dedicam suas orações. Ponho em dúvida a tal democracia, forjada no direito à propriedade privada, constituída à custa da miséria, da exploração, dos conflitos bélicos e da desigualdade. Rejeito a ciência, que desvirtuou-se do seu caminho que levava ao conhecimento da natureza, para, mantendo o respeito às suas leis, servir a humanidade com todo o seu potencial e sabedoria, mas transformou-se num mero instrumento de incremento do consumismo, fortalecendo o capitalismo, conservando as contradições, degradando a natureza e criando uma cultura de valorização do ter, do imediatismo e da falsa realização do sonho de se estar vivo, como se o principal objetivo da vida fosse aumentar, gradativamente, a lista dos bens materiais.
Poderia aumentar ainda mais essa lista de fatores negativos. Mas, não enxergo com os olhos do sentimento apenas coisas ruins. Tenho minha lista positiva: A natureza, com sua diversidade na fauna e na flora; com seus matizes que delineiam a estética do prazer visual, da simplicidade bela; com seus sons que ornamentam a pureza do silêncio; com seus manjares vegetais que gratificam o nosso paladar; com seus odores suaves, da brisa, das flores e das florestas. Temos a solidariedade, a convivência pacífica, a arte em geral, a competição saudável nos esportes, a consciência de alguns sobre a necessidade de pensarmos nos que virão depois de nós, a fé na bondade do espírito humano, a diversão, o riso, a esperança que um dia encontraremos a plenitude da vida, que nos fará aprender com o sofrimento, que nos dará consistência espiritual para superarmos a dor, que nos elevará a uma nova dimensão, onde o sentido da vida será, finalmente, encontrado.
Tenho plena consciência que a lista negativa retrata a realidade e, certamente, se prolongará por muito tempo, ainda. Sei, também, que a lista positiva nos remete ao escopo utópico, ao sonho impossível, porém, ao alimento da esperança e ao mesmo tempo ao que dela se nutre.
Mostra o coração, que o seu olhar não vem enfeitado com a retórica racional, com as explicações elaboradas, cienticifistas e pautadas no conformismo, na aceitação do destino humano como ferramenta experimental dos deuses ou como autonomia sacramentada no livre arbítrio. O olhar do coração traz a verdade dos poetas, traz o espírito profundo do humano verdadeiro, traz a conjugação da fé e do amor, numa deliberada parceria autorizada e subscrita pela natureza. O coração anuncia o que a natureza não revela à razão. Por isso, no final eu aprovo esse desvio.

Paulo Viana