terça-feira, 22 de junho de 2010

Inverno

Não bastasse a tirania da razão, impondo-se contra doces pecados, o coração congela-se no peito e a vida passa a ser apenas a burocrática sucessão de dias. Não há medo... Muito menos, desejo. Tragédias são apenas notícias... Nada a lamentar, nada a perdoar e o choro é fonte esquecida de lágrimas ressequidas, contraponto inexistente de um riso que também não se apresenta. Falta a dor e a saudade; Falta a emoção e a tristeza; Falta a paixão. O que faz um poeta que não sofre? Quietude não é estado para o espírito de quem quer escancarar a vida em poemas. O que faz um poeta que olha para o mundo e vê gravuras sem brilho? O segredo do verso é sua origem arraigada na paixão, no desejo de arrancar a própria alma e transformá-la em poesia. No olhar para a lama e ver flores; No sentir o amor espreitando o que na verdade não passa de delírio.

E sendo este momento um lapso de uma vivência continuamente forjada na indignação, no arrebatamento, nos sentimentos que, como água de uma ilha, vêm em pequenas ondas, molhando, por vezes, o coração, aguarda-se o retorno da verve, da inspiração, para que novamente as palavras obedeçam a ordem e se organizem em figuras poéticas.

Enquanto isso, constata-se a fleuma, a indiferença, que, para o vate, não pode ser impunemente ignorada. Há de ser transformada em dor; Há de ser confundida com uma motivação profunda, como se fosse dever da alma oferecer seus mistérios para quem escreve; Como se fosse obrigação do mundo acionar seus emissários para trazer do invisível, porém inevitável universo da arte, o lirismo da vida.

Esse vazio passa, porque não se pode esgotar, de uma só vez, todos os sonhos que cabem numa vida; Essa ausência de efervescência sanguínea alterna sempre com plenos momentos de exacerbação emocional. Quando elevar-se a temperatura no peito virá a dor, o grito, a vontade de dizer, de afirmar, de contestar, de escrever...Com a força necessária para que outros espíritos sintam as palavras como pétalas, suavemente derramadas, porém com matizes fortemente carregados de sentido.

Paulo Viana