sábado, 9 de outubro de 2010

Bens

Não tenho terras, nem serras, nem praias ou mares
Tenho a vivência dos bares
Não tenho ouro, nem prata, nem faço viagens
Tenho apenas as paisagens
Com a vivência dos bares aprendi a não beber

Com a beleza das paisagens aprendi a não ter
Me embriago de vida, de mistério, de sonhos
E me aposso do mundo com um gesto risonho

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Porque voto na Dilma

Eu tinha nove anos e gostava de folhear a Revista o Cruzeiro, a mais importante da época. Ficava encantado com o universo apresentado naquelas páginas coloridas, onde artistas da Jovem Guarda eram mostrados com seus carrões e público delirante.

Em uma dessas revistas, despertou-me a atenção uma reportagem em preto e branco sobre a morte de um estudante, assassinado pela polícia. O nome dele, creio que muitos brasileiros saibam, era Edson Luís. O clima era de comoção nacional.

Na minha perplexidade pueril, jamais imaginei que aquele rapaz tinha sido morto porque estava reivindicando o direito ao voto, à liberdade de expressão, inclusive artística, e o cessar dos absurdos nos porões dos quartéis, onde eram torturados homens e mulheres, enquanto outros eram jogados de aviões no mar.

A partir daquele ano, as atrocidades cometidas em milhares de brasileiros se tornaram banais. Bastava você se manifestar sobre política, com mais alguns, que você era preso, torturado e obrigado a dizer quem eram os líderes e onde eles estavam.

O presidente era nomeado e tinha que ser General. Os artistas eram presos ou mandados para fora do País. Filmes, Peças de Teatro, Músicas, Poesia e outras manifestações eram impedidas de serem veiculadas, pois existia um serviço de censura que “analisava” os textos e colocava um carimbo enorme: CENSURADO. Notícias questionando o governo? Nem pensar.

Os grandes meios de comunicação, como Globo, Estadão, Folha de São Paulo e outros chamavam a ditadura de revolução. O PC do B era clandestino e seus militantes eram presos, como se fossem bandidos de altíssima periculosidade. Seus familiares, sem compreender o que estava acontecendo, perguntavam para onde os levariam. Muitos não tinham resposta e nem mais notícia deles.

Hoje, me reencontro com aquela realidade, através da candidata Dilma, sendo que, na época, ela era uma das vítimas das barbaridades do regime ditatorial, porque tem nas veias o sangue latino, que não engole injustiça, falta de democracia e de liberdade e, sobretudo, não entrega seus parceiros de luta, mesmo sob forte tortura. Mas o que me impressiona é a imensa contradição entre o direito adquirido, através da luta, do sofrimento e do idealismo, de pessoas como a Dilma, ao voto para Presidente da República e a caçada cruel, preconceituosa, mentirosa e implacável que, não só a imprensa, mas muitas pessoas fazem em relação a ela, porque foi indicada, democraticamente, como candidata à presidência.

Fico me perguntando: Qual é o pior? Ser vítima de um regime ditatorial, porque luta pela liberdade ou ser vítima de uma série de mentiras, que fomentam o preconceito e a descrença nos verdadeiros ideais democráticos?

Todos têm direito a escolher em quem vai votar, porém, todos têm o dever de conhecer bem os candidatos, sua história e as suas propostas, sem desenvolver preconceitos. Todos têm o dever de avaliar as políticas implementadas pelos partidos que estão na disputa e ver quem realizou mais. Eu já fiz isto e seria suficiente para fundamentar minha decisão, mas é em nome daquela criança de nove anos que folheou incrédula as páginas da revista O Cruzeiro e viu milhares de pessoas em volta do caixão de Edson Luís, que declaro meu voto à Dilma. Assim terá valido a pena a minha perplexidade infantil.

Paulo Viana