Submersas por uma lâmina de um espelho inesperado, mandado, talvez, pela alma do Planeta ferido, as cidades nordestinas sofrem as conseqüências da devastação e do desequilíbrio. E ainda dizem que não acontecem tragédias no Brasil.
Não quero ser pregador do pessimismo, mas as maiores tragédias acontecem silenciosamente. Não se faz alarde porque já estão comuns e há pouquíssima reação contra elas.
Quando vejo troncos deslizando nos rios amazônicos, sinto a força de um terremoto cujo epicentro está no bolso dos inescrupulosos parasitas da natureza. São pintores maus e, em nome do lucro, insistem em "amarronzar" o verde da parte de cima do nosso mapa. Isso é uma grande tragédia.
Quando vejo falsas duplas sertanejas, pagodes e axés descartáveis, sofríveis bandas de forró e outras gravações ridículas ocuparem quase toda a mídia, por determinação desta manipuladora de gostos, que empurra a porcaria para consumo imediato e deixa o grande público sem direito à alternativa de qualidade, sinto a força de um furacão. E os poetas, instrumentistas, compositores, cantores que produzem arte são varridos para um canto, onde a elite, por querer intimidade com o culturalmente correto, consome, e os de bom gosto e sensibilidade estimulada apreciam.
Não precisaria nem citar exemplos na política brasileira para caracterizar esta como fonte de tragédias. Mas é bom lembrar: A corrupção é uma grande tragédia que fomenta milhares de outras, como as obras inacabadas; o superfaturamento; o sistema educacional ineficiente; o sistema de saúde insatisfatório; o desemprego e outras já muito debatidas. E ainda é regra no espírito público. Os honestos são raríssimas exceções.
Não podemos deixar de registrar, nesse cenário de acontecimentos trágicos na ecologia, na política, na economia, na arte, alguns avanços na sociedade brasileira. Todos nós sabemos que houve afrouxamento na democracia e maior consistência na economia.
E quem seria o vilão de todas as hecatombes, nacionais e internacionais? Quem provocou e ainda provoca todas as guerras contemporâneas? Quem destrói e desequilibra a natureza? Para tornar impessoal essa culpa, alguém diria: Não é quem, é o que. Pois fingiremos aceitar esse argumento. Então, o que causa e se beneficia de todas as tragédias? A resposta é fácil: O Capital. E isso não é discurso marxista, é apenas a constatação de um fato. Há, porém, uma complementação a ser feita: O Capital não tem vida própria; por trás dele existem homens ambiciosos que fariam qualquer coisa para vê-lo crescer. Por outro lado, milhões de pessoas simplesmente se omitem e deixam as tragédias seguirem, em silêncio, como se milhares de crianças morrerem de fome, ou por causa de doenças evitáveis, fosse menos importante do que a queda de um avião.
Nós provocamos as tragédias. Nós somos os vilões dos problemas ambientais e sociais; Os intelectuais que aceitaram passivamente a reviravolta ideológica, simbolizada na destruição de um muro como o fim da esperança de uma democracia mais verdadeira; Os políticos que compraram o bilhete na segunda classe dessa aventura suicida, deixando para trás o sentido da palavra revolução e o contraponto da metafísica, ou seja, o materialismo dialético; Os omissos diante da permanência das contradições desse velho sistema que comprova: Somos, realmente, os lobos de nós mesmos.
E não adianta dizer que a salvação é o modelo de democracia que conhecemos, pois isso, para mim, é o maior engodo que poderia ter sido empurrado na goela dos menos esclarecidos. É querer acabar com a esperança de um dia unir-se a paz com a justiça. A perda da esperança, sim, é a maior de todas as tragédias.
Paulo Viana