quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

A Filosofia e o Campo

Não sou Sidarta, nem Cristo e não tenho nenhuma tendência a ser monge. Compreendo bem os urbanoides que adoram cheirar monóxido de carbono e sentem tédio com alguma sinfonia de grilo. É comum os sonhos infantis se fixarem e, junto com eles, a ansiedade da espera que um raio benigno traga o brinquedo não recebido na infância. Na cidade vivemos “contos de fada”. O asfalto, resíduos de antigos vegetais, combinados com dinossauros digeridos por algum meteoro errante, é a esteira deslizante da carruagem, com muitos cavalos que bufam uma fumaça preta, agonizante, futuros vilões do aquecimento global, certamente prejudicial aos príncipes e cavalheiros cultos que carregam. Muitas maçãs envenenadas são oferecidas e um sono, que nos transforma em zumbis consumidores, nos faz sonhar que estamos vivos porque acumulamos bens materiais.
No chão, milhões de vermes se contorcem, ávidos por um filósofo de bar, numa dança especifica, cumprindo uma tarefa simples, determinada pela patroa Natureza, que é processar a vida, transformando matéria em energia.
A vida nas grandes cidades nos torna atualizados e sabedores dos novos truques dos ladrões, dos modelos caros dos automóveis, dos software sofisticados, dos aparelhos mais modernos, das tendências da moda e de muitas outras frivolidades que “preenchem” o vazio dos sentimentos, do desamor, da solidão, do egoísmo.
Por falar em filósofo, lembrei-me de Platão e Aristóteles, que já sabiam o tamanho do desastre que seria uma cidade com mais de cem mil habitantes. Para os políticos o céu, pois, em tão grande amontoado de problemas cabem um número igual de promessas, não cumpridas rapidamente como prometem. Eles atiçam os desejos, renovam as esperanças e decepcionam em seguida, para que, da frustração, nasça a possibilidade de um novo horizonte, formando, assim, o eterno círculo vicioso que marca a sutil relação entre o povo e os governantes.
Os urbanóides, filósofos de bares, atualizados membros da elite intelectualóide da metrópole são apenas aqueles que criticam a opção pela vida no campo. Sei que muitos cidadãos metropolitanos são sensíveis, reclamam dos problemas mas não têm alternativa, ou até mesmo coragem, e não fogem para o campo. Se pudessem fugiriam.
Não quero plagiar Shakespeare, mas sinto que há mais filosofia pelas estreitas veredas dos campos do que em todas as ruas de Nova York. Foi nas veredas da Grécia que Tales de Mileto pensou que tudo vinha de uma única origem. Quem, em Nova York, não leitor dos Pré-socráticos, pode imaginar que tantas coisas, tanta gente diferente, tanta riqueza, diversidade cultural, fragmentação, solidão, desconfiança, tantos desejos tenham vindo de uma única fonte? Se Tales de Mileto estava certo, ou errado, não sei. Mas que isso nos faz pensar, faz. Mas pra que pensar sobre isso? Perguntaria o filósofo de bar. Minha resposta seria: Uns gostam de pensar, duvidar, descobrir, conhecer; outros gostam de viver na superfície, pois qualquer profundidade pode distorcer o caminho do ego e nada melhor do que o ego para que possamos sentir que estamos vivos, nem que seja da forma mais medíocre possível. Com o ego somos o que temos, não precisamos ser, e pensar leva ao autoconhecimento, que nos levará à totalidade, assim seremos mais inteiros.
Chega. Não adianta querer que urbanoides massificados e fragmentados acreditem que é possível fugir de conceitos como “Espírito Santo”, “Nirvana” e mesmo assim possamos buscar uma espiritualidade, numa relação mais direta com a Natureza.

Paulo Viana