domingo, 10 de maio de 2009

O Homo Virtualis e a Era Mágica

É incontestável a transferência sistemática das atividades do mundo real para o mundo virtual. Hoje, posso comprar, pagar, publicar, estudar, visitar, informar-me, graduar-me, comunicar-me e realizar muitas outras atividades sentado em frente à “janela” que me conduz a esse novo mundo. Além disso, posso ter minha página onde idealizo meu perfil, escrevo minhas opiniões, registro meus interesses, enfim, mostro-me na forma como desejo ser visto. Nasce, portanto, um novo Adão, ou mesmo uma nova Eva, visto que quase não há desigualdade entre os sexos, no aparecimento desse novo ser. Ele contém os dois sexos, pois a liberdade de ser não está censurada ainda na virtualidade.
Há, paralelamente, um silencioso suicídio social. Muitas pessoas já preferem conversar, namorar e até relacionar-se sexualmente pela internet, preservando-se do contato direto. Lembramos, também, a extraordinária proliferação dos telefones celulares, objetos indispensáveis para garantir o isolamento seguro, com a presença do outro literalmente na mão, dependendo apenas de alguns toques, no aparelho, diga-se de passagem. É o indivíduo que quer ficar só, isolado fisicamente, porém, totalmente envolvido numa teia de relações que o fazem permanecer acompanhado à distância. O ego, sem a cobrança do olhar censor, idealiza o Eu. O outro não o critica porque também se projeta nessa virtualidade, nesse mundo em que os valores estéticos, morais, sociais e familiares possuem uma linguagem própria e as convenções são estabelecidas no momento da prática dos relacionamentos. O Belo, por exemplo, é só uma questão de ajustes que podem ser feitos pelo uso de um bom software. A Comunidade é uma simples agregação de interesses e gostos, sem obrigações financeiras ou doutrinárias. O certo e o errado ainda estão em discussão e há muitas incertezas a respeito, e a Família é recomposta por membros conhecidos apenas virtualmente. Por enquanto, se tivermos um bom soft, aquilo que antes não poderia ser feito passa a ser legítimo. A Pirataria, no mundo virtual, é a ilegalidade mais aceita até no mundo real. A moral não se virtualizou, ainda, e o novo mundo é uma “terra” colonizada pelo universo onde predominam o desejo, a ansiedade, a ambição, a vaidade, o egoísmo e o “direito” a ser imoral, enquanto não for ilegal, ou até mesmo pela pseudo-privacidade. Alguns conseguem transferir, parcialmente, o comportamento eticamente correto para as relações virtuais.
Poderíamos conjecturar sobre esse novo ser humano, caracterizando-o como aquele que se isola, para fortalecer-se com o distanciamento do outro, porém, não suporta a solidão e se mantém em contato com o mundo. O mundo real tornou-se perigoso e secundário, sendo útil apenas para prover elementos que o mundo virtual ainda não tem condições de fornecer.
Claro que isso só é possível por causa do avanço tecnológico. Este, além de engendrar o Homo Virtualis, inaugura uma era em que, como mágica, surgem novos objetos, novas realizações, e o que poderia ser imaginado em outros tempos como milagre ou obra do demônio, acontece facilmente. Quem diria que um dia seria possível falar-se: Luz! E uma lâmpada acenderia? Quem poderia pensar em falar com outra pessoa, distante mil quilômetros, apenas com um pequeno aparelho, sem nenhum fio?
Mudaram muitas coisas e ainda não percebemos todos os efeitos dessas mudanças. Mas, é visível, nesse contexto de um mundo virtual inserido nesta era da “mágica tecnológica”, que nos distanciamos do sonho humano de realizar a utopia, enquanto humanidade, no mundo natural, vivendo em paz, harmonia e descobrindo-se eterno por ser a expressão da vida. Há uma perda, gradual, da importância do mundo real e o homo sapiens transfere, sorrateiramente, toda a sua responsabilidade de realizações ao homo virtualis.
Receio que um dia seja vergonhoso andar em grupos pelo mundo real. Porém, posso imaginar que a sofisticação desse ser virtual chegue ao ponto de ganhar autonomia e realizar-se automaticamente, em benefício ou malefício do ser humano real, enquanto este vive seu ócio, até compartilhando-o com outras pessoas, numa época de ociosidade generalizada. É possível que o amor virtual ganhe, nesta era, formas de contato onde se possa sentir o gosto, o cheiro e a pele de outra pessoa, mesmo à distância, mas, nada, nem o celular, nem o mundo virtual, nem o avanço tecnológico substituirão o abraço e o beijo, onde os corpos se tocam e as forças da natureza conspiram para expressar-se na forma mais inspirada já encontrada, talvez proveniente do mundo divino: o amor no mundo real.

Paulo Viana