Duas grandes decepções marcaram a minha vida: a farsa das Religiões e sua manipulação do potencial espiritual das pessoas, num pacto com o Estado, em que este conservaria o poder com a aquiescência do comportamento baseado na moral do bem, baixada através dos mandamentos, e a impraticabilidade da filosofia marxista, por ter como agente da sua práxis o ser humano, animal egoísta e sujeito a intempéries emocionais, ávido de auto-afirmação, desvirtuado em sua formação por uma educação onde a grande virtude é o acúmulo de bens materiais. Quero deixar bem claro a diferença entre Religião e Espiritualidade. Religião, segundo o dicionário, é o conjunto de crenças, de dogmas que definem as relações do homem com o sagrado. Espiritualidade é a qualidade do que é Espiritual, ou seja, o incorpóreo, o imaterial.
Não seria absurdo assinalar que um imenso vazio se instalou em meu espírito, com a decadência das ideologias para as quais fomos treinados por toda a vida. Mas, não sou o único. Muitos adultos vivem este mesmo dilema e buscam, incessantemente, um modo de se estabilizar. Modos que passam pelo consumo desvairado e pelo apego ao passado, quando não mergulham no mundo virtual ou abraçam valores não ocidentais.
O que me preocupa mesmo é o “amadurecimento” dos jovens num contexto amoral , numa perspectiva de ociosidade, em face do desenvolvimento dos meios de produção, que aumenta o desemprego e onde o mercado de trabalho é saturado pela grande oferta de profissionais liberais, embora saibamos que há um déficit na capacitação técnica, principalmente em países como o nosso.
Mesmo assim, há um horizonte delineado em que se configura o fim do sonho impossível, o desmoronamento daquele castelo que nos estimulava a lutar: a utopia. Sem contar com o anti-romantismo e o crepúsculo do heroísmo.
Os jovens, enquanto estão entretidos pela maravilhosa oferta de bugigangas tecnológicas, que ficam cada vez mais acessíveis até a quem tem baixo poder aquisitivo, e apegados a seus ídolos musicais, desportistas ou do cinema e da televisão, não sofrerão com a falta de sentido. Quando adultos, pisarão num chão de fina película, carregarão um peito vazio que, certamente, continuarão preenchendo com valores de sua juventude. Mas chegará o momento que, ao vislumbrar o caminho que ainda terão que percorrer, enxergarão uma estrada deserta. Claro que aqueles ainda abraçados às utopias, ingênuos depositários da esperteza dos maliciosos homens do poder, viverão felizes em sua ignorância, certos de que terão os manjares e as virgens que lhes aguardam no céu.
O que fazer? Insisto em dizer que a única utopia que vale a pena é a busca do auto-conhecimento e a prática dos nossos próprios valores éticos. No primeiro caso, somos nós o objeto a quem nos apegaremos; no segundo caso, mesmo sem a aprovação dos que só pensam em si, nos apegaremos à luta pela honestidade, pela defesa da natureza e pelo bem-estar do outro. Afinal, a utopia é uma prerrogativa do sonho humano; é o que dá sentido a essa impressionante experiência que é a vida. Por isso, quando morre uma, outra já se apresenta, para que não morramos com os nossos sonhos.
Paulo Viana