Qual o limite entre a transparência e a inconveniência? Onde termina a vida pública e começa a vida privada? Até que ponto a imprensa tem o direito de lutar pela audiência em detrimento da privacidade das pessoas? Para ser repórter é preciso ser chato?
Qualquer dia desses vou perguntar a algum jornalista se está na grade curricular da faculdade de comunicações uma cadeira que ensina a como ser chato e inconveniente. Se há um juramento de deturpar os fatos nem que isso venha a prejudicar gravemente alguém inocente. Se o repórter tem o direito de ridicularizar as pessoas ou deixá-las constrangidas. Se ele pode distorcer os fatos, modificando, através da retórica, o conteúdo de uma notícia, tornando-a mais viável para despertar a atenção do grande público.
A verdade é que o livro 1984, de George Orwell, tornou-se uma profecia e sua simbologia se efetiva, hoje, através dos meios de vigilância, seja da imprensa, seja da internet, ou da polícia e dos próprios sistemas de inteligência dos governos. O grande irmão está de olho e você não está livre para viver discretamente, principalmente de for alguém de vida pública. Alguém diria: O controle das pessoas é bom porque assim evita-se crimes. Isso seria bom se soubéssemos quem poderia cometer um crime a qualquer momento. Porém, a maior parte da população, principalmente as personalidades públicas, são pessoas pacíficas, que querem fazer sucesso, naturalmente, mas, também, querem ter sua privacidade. Claro que algumas querem estar em evidência nem que seja de forma ridícula.
Há uma guerra no mundo da imprensa. Uma guerra pela audiência. Esta atrai anunciantes que trazem dinheiro e isto é o que interessa, porque o poder emana do dinheiro. E quem não se submeter a esse princípio será perseguido até ser destruído. E a massa acredita, pois os comunicadores são charmosos, eloquentes e transmitem muita credibilidade. Claro que nem tudo é manipulação. Há os momentos importantes, em que a imprensa é fundamental para o esclarecimento de fatos. O que merece retificação é o excesso. Os meios de comunicação se excedem, porque a audiência é mais importante do que a verdade. É esta inversão que torna questionável as atitudes de jornalistas e seus patrões.
O caso de Belchior é emblemático. Bem que o Fantástico poderia deixá-lo em paz. Como, se os programas das outras emissoras estão se aproximando no IBOPE? Logo a Globo que tem uma estrutura de amedrontar qualquer concorrente? Que pode vasculhar a vida de quem quer que seja e apresentar, como se fosse propriedade sua, com o charme sarcástico de seus apresentadores? Para mim é a psicopatia vestindo o manto da programação televisiva. A tragédia falada com a inflexão que beira um orgasmo da oratória. Belchior foi incomodado, e daí? O que interessa é que houve um incremento em alguns pontos do IBOPE e os anunciantes vão preferir o Fantástico.
Os números são hoje mais importantes do que a vida. A privacidade, a integridade, a individualidade, são direitos flexíveis, pois o que é determinante é o quanto cada um desses direitos vai contribuir para o aumento dos números. Seja nas estatísticas dos crimes, nas celebridades com problemas, na quantidade de espectadores que se interessarão por eles. E a imprensa, o famoso quarto poder, acaba por se transformar, em nome desses números, em um tirano, cuja ética se esgota na falsa intenção de buscar a transparência e a informação para o grande público.
Sou contra a censura, mas isso não implica em dizer que sou a favor da chatice, da inconveniência e da insensibilidade dos meios de comunicação, tratando a vida alheia como se fosse instrumento de manipulação para o incremento da audiência. Acredito que esta é uma discussão em aberto.
Paulo Viana